Editorial 1 - Desinformação



Não posso deixar de comentar este primeiro editorial da revista K, publicado na K nº 1 do mês de Outubro de 1990, exactamente há treze anos atrás, e de constatar que a dita sociedade da desinformação que então se falava, hoje é uma realidade, possivelmente elevada a um expoente que naquela altura era inimaginável. Não nos podemos esquecer que naquela altura os telemóveis pesavam cinco kilos, que apenas existiam dois canais televisivos e que a palavra internet era ficção científica.

Desinformação
Vivemos na idade da informação. Nunca foi tão fácil a tantas pessoas estarem tão bem informadas acerca de tantos assuntos. Óptimo. O pior é aceitarmos acriticamente que a informação é sempre boa, útil e formativa. A verdade é que nunca houve tantas bestas bem informadas. É muito mais fácil uma pessoa informar-se sobre um assunto do que pensar acerca dele. A partir de certa altura, um excesso de informação pode prejudicar a compreensão de dado acontecimento. Hoje, muitas pessoas informam-se em vez de tentar compreender.
É a mulher que sabe tudo acerca dos filmes em cartaz, mas não viu nenhum. É o homem que segue cada passo dos acontecimentos na Roménia sem parar para tentar compreender o que se passa. É o jurista que conhece toda a legislação mas é incapaz de ter uma discussão sobre conceitos de justiça.
A informação pode ser brutal ao ponto de prejudicar a comunicação. As notícias, em vez de serem pontos de partida, tornam-se em fins. As pessoas, em vez de discutirem eventos e significados, partilham conhecimentos. Em vez de produzirem argumentos, reproduzem factos. Através da mera partilha de informação cria-se assim uma comunidade artificial.

Não há expressão mais mentirosa do que "comunicação social". Que comunicação existe? Apenas se comunica a - não se comunica com. Isto é, não se comunica. Informa-se. O mal está no facto de não haver reciprocidade.

Claro que os chamados meios de comunicação social não ouvem o público a que se dirigem. O velho lugar-comum do "diálogo com o leitor" é uma treta em que ninguém acredita. O mal é que a indiferença com que se distingue quantidade e qualidade de informação torna cada vez mais difícil ao cidadão médio ter opiniões pessoais acerca do que o rodeia.

Há qualquer coisa de arrogante e insuportável no acto de "informar", tal qual ele se concebe modernamente, cheio de gráficos, sondagens, esquemas e painéis equilibrados. Há uma pretensão de definição e cobertura que, além de ridícula, parece violenta, por não admitir discussão. A discussão surge "já feita". O leitor limita-se a escolher uma das posições.

Esta revista vai ser mais comunicativa do que informativa. O nosso objectivo não é sermos respeitados, compreendidos, seguidos, ou representados ou definitivos - é sermos lidos.

in K, nº 1, Editorial, Outubro de 1990

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