Aníbal Cavaco Silva
Por Vasco Pulido Valente
K: Nestes seis anos, o que é que aprendeu?
Aprendi muito e mudei muito. Ganhei uma grande resistência psicológica, que, aliás, julgava que não tinha.
K: Resistência a quê?
À crítica, aos ataques, à pressão.
K: E à ansiedade?
Sobretudo à ansiedade.. Senão, vivia permanente atormentado. Se não conseguisse separar as coisas e dizer «Acabou aqui o trabalho, começa aqui o descanso», continuava na cama a pensar nos problemas do governo. E nos fins-de-semana. Sempre. Mas, com o tempo, ganhei resistência psicológica. Ajuda muito ter a consciência tranquila.
K: Não o incomoda a condescendência da burguesia portuguesa consigo?
Sei o que a burguesia portuguesa pensa de mim. Não venho da «cultura de cocktail», como toda a gente sabe. Depois da Figueira da Foz, percebi que tinha entrado, de uma forma inesperada e radical, num novo universo e que, se não me adaptasse depressa e não surpreendesse, era crucificado.
K: Gosta da burguesia portuguesa?
Respeito as diferenças; respeito o direito à diferença.
K: Gosta ou não gosta?
Depende das pessoas. De algumas gosto.
K: E os ares de superioridade dos «intelectuais>,? Não o afectam?
Alguns julgam-se uma vanguarda esclarecida. O pior, para eles, é que se enganaram.
K: Em quê?
Fizeram, por exemplo, previsões catastróficas sobre o que ia suceder ao País e a mim, pessoalmente.
K: E as insinuações sobre a sua cultura?
Sou especialista de determinados assuntos, não sou de outros: e não pretendo fingir que sou aquilo que não sou.
K: E não se irrita?
Não. Acho algumas dessas pessoas bastante azedas e um bocado frustradas. Mas não me irrito. Continuo a minha vida com toda a normalidade.
K: Considera ainda a política «a pirueta, o floreado, a retórica»? Palavras suas.
Da campanha eleitoral, com certeza?
K: Da pré-campanha.
De um período de luta, portanto. Repare, quando fui eleito presidente do PSD, em 1985, os portugueses estavam cansados de um excessivo verbalismo, de promessas vãs, de políticos muito hábeis em jogadas palacianas. Procurei, de facto, tirar benefícios desse estado de espírito, do desejo de outro estilo e de outros métodos. Hoje é diferente.
K: Não concordo. Nomeia constantemente ministros sem experiência política.
Há quem não aceite os meus critérios de escolha dos ministros. Para mim, a capacidade de análise política ou, por exemplo, de falar muito bem não chega para fazer um bom governante. Acima disso, valorizo a capacidade de executar um programa, de realizar uma obra.
K: Uma obra política, em todo o caso: o que implica estabelecer prioridades, gerir conflitos...
..gerir expectativas...
K: ...e por aí fora, coisas que a competência profissional não inclui. Caso contrário, qualquer economista competente e sensato podia acabar em Primeiro-Ministro.
Bem, em Portugal, até aconteceu. Mas não. Com certeza que não. Não é assim. O papel político do Primeiro-Ministro, e dos ministros, é evidentemente essencial. Claro que tenho ministros, por assim dizer, «mais políticos» e outros menos.
K: Gosta de mandar? Não de «mandar para fazer», pura e simplesmente de mandar.
Nem por isso...
K: A sério?
Nem por isso... De resto, existe a ideia errada que o Primeiro-Ministro «manda», que «manda» em tudo. Não manda: as instituições tornaram-se muito mais independentes e o poder tornou-se muito mais difuso. Não está centralizado nesta sala. Os autarcas mandam, os reitores das universidades mandam, os chefes de empresa mandam, os chefes sindicais mandam... imensa gente manda...
K: E o Primeiro-Ministro manda.
Um pouco. O Primeiro-Ministro é um coordenador. Fornece orientações. Normalmente não declara: «quero isto» ou «não quero aquilo», leva a que se faça isto ou a que não se faça aquilo. Por mim, tento que as decisões não resultem apenas da minha convicção pessoal. Procuro munir-me de informações para que as decisões sejam as mais correctas.
K: E esse trabalho dá-lhe prazer?
Dá-me prazer fazer coisas. Ser Primeiro-Ministro às vezes cansa-me. Cansa-me viver muito fechado entre estas quatro paredes. Não pode imaginar como é.
K: Criou o «novo homem português»?
Isso são expressões que se usam. Mas vejo nos portugueses de hoje, ou pelo menos em muitos portugueses de hoje, diferenças significativas em relação ao passado.
K: Quais?
São mais autónomos, menos dependentes. O grau de dependência do Estado, por exemplo, diminuiu muito comparado com o que era em 1985. As pessoas já não olham o Estado como uma espécie de apólice de seguro que protege de tudo. A sociedade civil tem uma forra extraordinariamente maior do que há cinco ou sei anos, embora não tão grande como noutros países, claro. Apesar disso, agora existem verdadeiras instituições da sociedade civil. Poucas e fracas? Talvez. O facto é que existem: e que reivindicam e apresentam propostas com autonomia crescente. Com autonomia crescente, sem dúvida nenhuma. Dantes falava-se da «libertação da sociedade civil». Neste momento, prefiro falar do «fortalecimento da sociedade civil». Acho mais apropriado.
K: Desconfio bastante desse fortalecimento.
Não conhece bem o País. O espírito do País é de reivindicação, de exigência. Não suponha que os empresários ou os professores ou os portugueses em geral se inibem comigo. Um dia destes fui a uma escola primária, levanta-se um aluno e grita: «O Cavaco». Quem pensaria. Um aluno.
K: Um inconsciente.
Não. Um sintoma.
K: Segunda diferença do «novo português».
O cepticismo crónico, a apatia, a falta de confiança das pessoas nas suas capacidades passaram. Ou começam a passar. As pessoas acreditam que podem vencer e que vale a pena lutar, não partem já derrotadas como antigamente. Há outro ânimo. Em 1985, dizia-se que as nossas empresas iam ser esmagadas pelas empresas espanholas. Não foram. Isso contribuiu muito para mudar a atitude dos empresários. Os jovens empresários e os jovens agricultores estão mais abertos a enfrentar uma concorrência muito difícil. Mas não desistem. Querem ganhar e acham que de facto vão ganhar.
K: Não está a projectar os seus desejos na sociedade portuguesa?
Em parte, evidentemente. O meu discurso é um discurso político: um discurso de esperança e de ambição. Tento estabelecer uma meta, dar um certo impulso à sociedade, porque as sociedades tendem a mudar lentamente. Se o Primeiro-Ministro aparecesse com um ar miserabilista, triste, acabrunhado, desiludido, vencido, seria um desastre: a desmoralização geral.
K: E com um excessivo optimismo não corre o mesmo perigo?
O optimismo não me parece excessivo. Reconheço as dificuldades que existem. O perigo era permitir que o País se desmoralizasse por causa delas.
K: Terceira diferença do «novo português»?
Tornou-se exigente. Exige qualidade. Nos políticos. Nos bens culturais e materiais. Nos serviços. Em tudo. Mas também podia acrescentar que o «novo português» é descomplexado, liberto de preconceitos, valoriza a diferença, etc.
K: Que é o pior defeitos dos portugueses?
Acho difícil responder a essa pergunta...
K: São indisciplinados? Reivindicativos?
Não; nem indisciplinados, nem reivindicativos de mais.
K: Conservadores?
Obviamente, gostaria que fossem muito mais abertos à inovação. Admito que sou confrontado com um certo conservadorismo, no sentido de resistência à mudança. Embora as coisas tenham melhorado, para mim não melhoraram tanto quanto deviam. Há ainda uma excessiva «acomodação às situações», E uma certa carência de iniciativa, de agressividade, de gosto em «fazer bem». Que se nota até em pormenores triviais. A casa de banho do aeroporto de Zurique está limpa; a do aeroporto de Lisboa, não. Porquê? Não é possível? Questões de cultura, provavelmente. Em Portugal não se reconhece o mérito, a sanção não funciona...
K: Em Portugal, não se pune o fracasso.
A impunidade caracterizou este país durante anos e anos. O que ajuda a explicar a tendência para a «acomodação». Uma das minhas grandes preocupações consiste precisamente em reduzir o grau de impunidade. Mas não se reduz a impunidade por decreto. Tem de se combater na política, na economia, no trabalho, em todos os domínios. Durante imenso tempo, por exemplo, Uma pessoa competente e uma pessoa incompetente recebiam o mesmo ordenado e, às vezes, a incompetente era mesmo promovida com mais facilidade. Espero que, a pouco e pouco, isso acabe e que a sanção seja efectiva: a sanção política, moral, profissional, económica...
K: O Primeiro-Ministro Cavaco Silva não pune os ministros que falham.
Não puno? Essa é a sua ideia, não é a minha. Nunca revelei, e não posso, nem tenciono revelar, o critério que uso para escolher e julgar os meus colaboradores, incluindo os ministros. O que não significa que não siga um critério estrito, desde 1985.
K: Trata muito bem os ministros que demite.
Não se sai do governo necessariamente por incompetência. Existem razões políticas, que às vezes só por si obrigam a mudanças. E, de resto, quem não é bom ministro pode ser óptimo administrador ou outra coisa qualquer.
K: Por que não sobre a saúde e a educação
Com certeza. O pior é encontrar pessoas para fazer os «livros brancos». Falo de pessoas independentes.
K: Que nota daria ao governo neste capítulo?
Dou uma nota, mas com uma observação. Dou 10, mas acrescento que antes de 1985 dava 4.
K: Que mais o preocupa no mundo?
Como toda a gente, que se perca o controlo das armas nucleares tácticas e estratégicas da antiga URSS.
K: Que riscos corre Portugal, em particular?
Principalmente, riscos externos: um novo choque petrolífero seria terrível, ou uma recessão profunda dos nossos parceiros económicos da CEE.
K: Riscos internos?
A desarmonia institucional.
K: Não falou da oposição.
Precisamos de uma oposição mais forte. Se ela não existir, aumentam as peregrinações ao Palácio de Belém para pedir ao Presidente da República que faça o que não lhe compete; ou aumentam as manifestações de rua. Prefiro a oposição partidária no seu lugar próprio: na Assembleia.
K: Conta com o PS?
Conto. A crise do PS não vai durar sempre.
K: Se deixasse agora de ser Primeiro-Ministro, o que é que deixava?
Deixava um país muito mais bem preparado para enfrentar os desafios do futuro e as complexidades da economia moderna: um paí mais sólido, mais confiante em si, mais decidido a avançar e em condições de continuar a avançar.
K: Já tivemos outras épocas de desenvolvimento e de optimismo e, no fim, falhámos. E se falharmos outra vez?
Não ultrapassámos ainda o ponto crítico; não estamos ainda a coberto de situações imprevisíveis, de percalços. Como a Espanha, por exemplo. Para atingir a segurança dos países da frente, da Bélgica, da Holanda, falta ainda «um golpe de asa». Foi essa a razão por que continuei.
K: Pensou em retirar-se?
Pensei, muito seriamente, e resolvi continuar. Claro que em todas as pessoas há um pouco a ideia de que são insubstituíveis. No meu caso, não acho que fosse isso que me decidiu. Pensei: «esta luta é minha e tenho de fazê-Ia por mais quatro anos». Em 1995, Portugal já estará no SME e, portanto, qualquer governo fica perante duas alternativas: ou se porta sensatamente ou é expulso para a terceira divisão. Não acredito que alguém corra o risco de ser expulso.
K: Por outras palavras, Portugal não é capaz de se governar bem sozinho?
Já ouvi dizer que os Estados Unidos precisavam de um acordo com o FMI...
K: Não me respondeu: a nossa ausência de disciplina interna, exige uma disciplina externa?
A Europa Comunitária limita a tentação de adiar as medidas incómodas, atenua a tendência para a facilidade e a demagogia. Não acho mau. Nós hoje, na CEE, co-gerimos parcelas de soberania; conduzimos políticas interdependentes. Nenhum país conduz as políticas que lhe dá na real gana conduzir.
K: E os políticos portugueses inclinam-se excessivamente para a asneira?
Se olhasse para o passado, diria que sim; se olhasse para depois de 1985, diria que não. Afinal os políticos também aprenderam...
Finalmente. O Grande Criador da Democracia de Sucesso. O Líder Incontestado da maioria dos portugueses, o modelo do Novo Homem Português fala à K. São confissões, revelações, soluções e provocações várias. Vasco Pulido Valente foi conversar com o nosso Primeiro-Ministro. O resultado são nove páginas para guardar.
1.
K: Nestes seis anos, o que é que aprendeu?
Aprendi muito e mudei muito. Ganhei uma grande resistência psicológica, que, aliás, julgava que não tinha.
K: Resistência a quê?
À crítica, aos ataques, à pressão.
K: E à ansiedade?
Sobretudo à ansiedade.. Senão, vivia permanente atormentado. Se não conseguisse separar as coisas e dizer «Acabou aqui o trabalho, começa aqui o descanso», continuava na cama a pensar nos problemas do governo. E nos fins-de-semana. Sempre. Mas, com o tempo, ganhei resistência psicológica. Ajuda muito ter a consciência tranquila.
K: Não o incomoda a condescendência da burguesia portuguesa consigo?
Sei o que a burguesia portuguesa pensa de mim. Não venho da «cultura de cocktail», como toda a gente sabe. Depois da Figueira da Foz, percebi que tinha entrado, de uma forma inesperada e radical, num novo universo e que, se não me adaptasse depressa e não surpreendesse, era crucificado.
K: Gosta da burguesia portuguesa?
Respeito as diferenças; respeito o direito à diferença.
K: Gosta ou não gosta?
Depende das pessoas. De algumas gosto.
K: E os ares de superioridade dos «intelectuais>,? Não o afectam?
Alguns julgam-se uma vanguarda esclarecida. O pior, para eles, é que se enganaram.
K: Em quê?
Fizeram, por exemplo, previsões catastróficas sobre o que ia suceder ao País e a mim, pessoalmente.
K: E as insinuações sobre a sua cultura?
Sou especialista de determinados assuntos, não sou de outros: e não pretendo fingir que sou aquilo que não sou.
K: E não se irrita?
Não. Acho algumas dessas pessoas bastante azedas e um bocado frustradas. Mas não me irrito. Continuo a minha vida com toda a normalidade.
K: Considera ainda a política «a pirueta, o floreado, a retórica»? Palavras suas.
Da campanha eleitoral, com certeza?
K: Da pré-campanha.
De um período de luta, portanto. Repare, quando fui eleito presidente do PSD, em 1985, os portugueses estavam cansados de um excessivo verbalismo, de promessas vãs, de políticos muito hábeis em jogadas palacianas. Procurei, de facto, tirar benefícios desse estado de espírito, do desejo de outro estilo e de outros métodos. Hoje é diferente.
K: Não concordo. Nomeia constantemente ministros sem experiência política.
Há quem não aceite os meus critérios de escolha dos ministros. Para mim, a capacidade de análise política ou, por exemplo, de falar muito bem não chega para fazer um bom governante. Acima disso, valorizo a capacidade de executar um programa, de realizar uma obra.
K: Uma obra política, em todo o caso: o que implica estabelecer prioridades, gerir conflitos...
..gerir expectativas...
K: ...e por aí fora, coisas que a competência profissional não inclui. Caso contrário, qualquer economista competente e sensato podia acabar em Primeiro-Ministro.
Bem, em Portugal, até aconteceu. Mas não. Com certeza que não. Não é assim. O papel político do Primeiro-Ministro, e dos ministros, é evidentemente essencial. Claro que tenho ministros, por assim dizer, «mais políticos» e outros menos.
K: Gosta de mandar? Não de «mandar para fazer», pura e simplesmente de mandar.
Nem por isso...
K: A sério?
Nem por isso... De resto, existe a ideia errada que o Primeiro-Ministro «manda», que «manda» em tudo. Não manda: as instituições tornaram-se muito mais independentes e o poder tornou-se muito mais difuso. Não está centralizado nesta sala. Os autarcas mandam, os reitores das universidades mandam, os chefes de empresa mandam, os chefes sindicais mandam... imensa gente manda...
K: E o Primeiro-Ministro manda.
Um pouco. O Primeiro-Ministro é um coordenador. Fornece orientações. Normalmente não declara: «quero isto» ou «não quero aquilo», leva a que se faça isto ou a que não se faça aquilo. Por mim, tento que as decisões não resultem apenas da minha convicção pessoal. Procuro munir-me de informações para que as decisões sejam as mais correctas.
K: E esse trabalho dá-lhe prazer?
Dá-me prazer fazer coisas. Ser Primeiro-Ministro às vezes cansa-me. Cansa-me viver muito fechado entre estas quatro paredes. Não pode imaginar como é.
2.
K: Criou o «novo homem português»?
Isso são expressões que se usam. Mas vejo nos portugueses de hoje, ou pelo menos em muitos portugueses de hoje, diferenças significativas em relação ao passado.
K: Quais?
São mais autónomos, menos dependentes. O grau de dependência do Estado, por exemplo, diminuiu muito comparado com o que era em 1985. As pessoas já não olham o Estado como uma espécie de apólice de seguro que protege de tudo. A sociedade civil tem uma forra extraordinariamente maior do que há cinco ou sei anos, embora não tão grande como noutros países, claro. Apesar disso, agora existem verdadeiras instituições da sociedade civil. Poucas e fracas? Talvez. O facto é que existem: e que reivindicam e apresentam propostas com autonomia crescente. Com autonomia crescente, sem dúvida nenhuma. Dantes falava-se da «libertação da sociedade civil». Neste momento, prefiro falar do «fortalecimento da sociedade civil». Acho mais apropriado.
K: Desconfio bastante desse fortalecimento.
Não conhece bem o País. O espírito do País é de reivindicação, de exigência. Não suponha que os empresários ou os professores ou os portugueses em geral se inibem comigo. Um dia destes fui a uma escola primária, levanta-se um aluno e grita: «O Cavaco». Quem pensaria. Um aluno.
K: Um inconsciente.
Não. Um sintoma.
K: Segunda diferença do «novo português».
O cepticismo crónico, a apatia, a falta de confiança das pessoas nas suas capacidades passaram. Ou começam a passar. As pessoas acreditam que podem vencer e que vale a pena lutar, não partem já derrotadas como antigamente. Há outro ânimo. Em 1985, dizia-se que as nossas empresas iam ser esmagadas pelas empresas espanholas. Não foram. Isso contribuiu muito para mudar a atitude dos empresários. Os jovens empresários e os jovens agricultores estão mais abertos a enfrentar uma concorrência muito difícil. Mas não desistem. Querem ganhar e acham que de facto vão ganhar.
K: Não está a projectar os seus desejos na sociedade portuguesa?
Em parte, evidentemente. O meu discurso é um discurso político: um discurso de esperança e de ambição. Tento estabelecer uma meta, dar um certo impulso à sociedade, porque as sociedades tendem a mudar lentamente. Se o Primeiro-Ministro aparecesse com um ar miserabilista, triste, acabrunhado, desiludido, vencido, seria um desastre: a desmoralização geral.
K: E com um excessivo optimismo não corre o mesmo perigo?
O optimismo não me parece excessivo. Reconheço as dificuldades que existem. O perigo era permitir que o País se desmoralizasse por causa delas.
K: Terceira diferença do «novo português»?
Tornou-se exigente. Exige qualidade. Nos políticos. Nos bens culturais e materiais. Nos serviços. Em tudo. Mas também podia acrescentar que o «novo português» é descomplexado, liberto de preconceitos, valoriza a diferença, etc.
3.
K: Que é o pior defeitos dos portugueses?
Acho difícil responder a essa pergunta...
K: São indisciplinados? Reivindicativos?
Não; nem indisciplinados, nem reivindicativos de mais.
K: Conservadores?
Obviamente, gostaria que fossem muito mais abertos à inovação. Admito que sou confrontado com um certo conservadorismo, no sentido de resistência à mudança. Embora as coisas tenham melhorado, para mim não melhoraram tanto quanto deviam. Há ainda uma excessiva «acomodação às situações», E uma certa carência de iniciativa, de agressividade, de gosto em «fazer bem». Que se nota até em pormenores triviais. A casa de banho do aeroporto de Zurique está limpa; a do aeroporto de Lisboa, não. Porquê? Não é possível? Questões de cultura, provavelmente. Em Portugal não se reconhece o mérito, a sanção não funciona...
K: Em Portugal, não se pune o fracasso.
A impunidade caracterizou este país durante anos e anos. O que ajuda a explicar a tendência para a «acomodação». Uma das minhas grandes preocupações consiste precisamente em reduzir o grau de impunidade. Mas não se reduz a impunidade por decreto. Tem de se combater na política, na economia, no trabalho, em todos os domínios. Durante imenso tempo, por exemplo, Uma pessoa competente e uma pessoa incompetente recebiam o mesmo ordenado e, às vezes, a incompetente era mesmo promovida com mais facilidade. Espero que, a pouco e pouco, isso acabe e que a sanção seja efectiva: a sanção política, moral, profissional, económica...
K: O Primeiro-Ministro Cavaco Silva não pune os ministros que falham.
Não puno? Essa é a sua ideia, não é a minha. Nunca revelei, e não posso, nem tenciono revelar, o critério que uso para escolher e julgar os meus colaboradores, incluindo os ministros. O que não significa que não siga um critério estrito, desde 1985.
K: Trata muito bem os ministros que demite.
Não se sai do governo necessariamente por incompetência. Existem razões políticas, que às vezes só por si obrigam a mudanças. E, de resto, quem não é bom ministro pode ser óptimo administrador ou outra coisa qualquer.
4.
K: Onde está a Direita e onde está a Esquerda em Portugal?
Foram desaparecendo... foram desaparecendo. Hoje é difícil identificar claramente uma Esquerda e uma Direita em Portugal. As transformações do mundo arrasaram as barreiras ideológicas. E em Portugal, desculpe que lhe diga, também contribuí um pouco para isso. O eleitorado tornou-se fluido e move-se com uma facilidade inconcebível há meia dúzia de anos. Quem imaginava que milhares de eleitores comunistas pudessem vir a votar em mim, ao mesmo tempo que milhares de eleitores do CDS?
K: No essencial, o que o separa do CDS e do PS?
Custa-me a responder a essa pergunta. Não sei bem o que são hoje esses partidos e mesmo o que é o próprio PSD. Não há conjuntos coerentes de ideias identificáveis como a ideologia do CDS, ou do PS, ou do PSD. Há uma interpenetração. O PSD defende algumas políticas que o CDS defende e políticas que o PS também defende. Parte das minhas políticas passa por ser de Esquerda e outra parte por ser de Direita. E, para não ir mais longe, olhe que até o PS do Dr. Jorge Sampaio propõe pontes privadas. Hoje, na prática, prevalece o pragmatismo e a credibilidade pessoal dos governantes.
K: Então, nada o separa do CDS e do PS?
Se quiser, posso dizer que não aprovo o liberalismo do CDS e que não sacralizo o mercado, ou que não aprovo o «intervencionismo económico» do PS, nem a ideia de que a justiça social se consegue só através da redistribuição. Mas confesso que seria um pouco forçado...
K: Nestes seis anos de governo, enganou-se nas grandes orientações políticas.
Enganei-me várias vezes...
K: Nas grandes orientações políticas.
Nas grandes orientações, acho que não.
K: Vê alternativas a essas orientações?
Marginais. A interdependência na Comunidade Europeia é muito forte e a liberdade de escolha muito menor do que geralmente se supõe.
K: E os limites do País?
São o ponto de onde se parte e também condicionam fortemente a liberdade de escolha.
K: Não existe, portanto, uma estratégia viável diferente da sua?
Em princípio, a de aperfeiçoar o sector público, em vez de tentar diminuí-lo. Não penso que desse bom resultado. Mas prefiro não tentar comparar a situação actual com uma situação hipotética, no caso de ter sido seguida outra orientação. Pessoalmente, acredito que seria pior. Outros acreditam que seria melhor: é uma opção sustentável.
K: Descendo à terra, admite que o PS no governo fizesse uma política diferente da sua?
Não durante muito tempo, embora os resultados fossem diferentes. Se tentasse, sucedia-lhe o que sucedeu ao presidente Mitterrand no primeiro mandato. O PS talvez começasse com uma política diferente, mal, passados doze, quinze, dezoito meses, teria de abandoná-Ia. A realidade não o deixava continuar. Mas os custos que daí resultariam seriam elevados.
K: Nesse caso para que servem os partidos? Bastava o PSD.
São precisas alternativas credíveis.
K: De pessoas?
De pessoas, de métodos e de programa, pelo menos no embrulho. Repare que, no fundo, a oposição promete que vai executar as políticas do governo Cavaco Silva, ou políticas extremamente parecidas, só que diz muito melhor. Hoje ninguém tenta ganhar votos a vender o ideal da sociedade equalitária. Hoje não vale de nada repetir os velhos estribilhos: que os comunistas defendem os trabalhadores, que o socialismo traz a justiça social, que a cultura é de Esquerda. As coisas tornaram-se mais complicadas.
K: Dois políticos deste século que admire. Não diga Sá Carneiro.
De facto, diria logo Sã Carneiro. Conheço mal a história da I República e, como economista, as minhas referências não foram naturalmente políticos.
K: Mais nenhum?
Se lhe dissesse Duarte Pacheco, dizia porque ele também nasceu em Loulé e porque, pelo pouco que sei, era um homem com uma vontade de ferro, enérgico, aberto. Mas só por isso. Não estudei a obra dele.
K: Em política, não tem família.
Há políticos que respeito - admirar não é a palavra - do meu partido e de outros. O Dr. Vítor Constâncio, por exemplo, ainda um jovem. O Dr.. Cunhal, mais velho.
K: Onde está a Direita e onde está a Esquerda em Portugal?
Foram desaparecendo... foram desaparecendo. Hoje é difícil identificar claramente uma Esquerda e uma Direita em Portugal. As transformações do mundo arrasaram as barreiras ideológicas. E em Portugal, desculpe que lhe diga, também contribuí um pouco para isso. O eleitorado tornou-se fluido e move-se com uma facilidade inconcebível há meia dúzia de anos. Quem imaginava que milhares de eleitores comunistas pudessem vir a votar em mim, ao mesmo tempo que milhares de eleitores do CDS?
K: No essencial, o que o separa do CDS e do PS?
Custa-me a responder a essa pergunta. Não sei bem o que são hoje esses partidos e mesmo o que é o próprio PSD. Não há conjuntos coerentes de ideias identificáveis como a ideologia do CDS, ou do PS, ou do PSD. Há uma interpenetração. O PSD defende algumas políticas que o CDS defende e políticas que o PS também defende. Parte das minhas políticas passa por ser de Esquerda e outra parte por ser de Direita. E, para não ir mais longe, olhe que até o PS do Dr. Jorge Sampaio propõe pontes privadas. Hoje, na prática, prevalece o pragmatismo e a credibilidade pessoal dos governantes.
K: Então, nada o separa do CDS e do PS?
Se quiser, posso dizer que não aprovo o liberalismo do CDS e que não sacralizo o mercado, ou que não aprovo o «intervencionismo económico» do PS, nem a ideia de que a justiça social se consegue só através da redistribuição. Mas confesso que seria um pouco forçado...
K: Nestes seis anos de governo, enganou-se nas grandes orientações políticas.
Enganei-me várias vezes...
K: Nas grandes orientações políticas.
Nas grandes orientações, acho que não.
K: Vê alternativas a essas orientações?
Marginais. A interdependência na Comunidade Europeia é muito forte e a liberdade de escolha muito menor do que geralmente se supõe.
K: E os limites do País?
São o ponto de onde se parte e também condicionam fortemente a liberdade de escolha.
K: Não existe, portanto, uma estratégia viável diferente da sua?
Em princípio, a de aperfeiçoar o sector público, em vez de tentar diminuí-lo. Não penso que desse bom resultado. Mas prefiro não tentar comparar a situação actual com uma situação hipotética, no caso de ter sido seguida outra orientação. Pessoalmente, acredito que seria pior. Outros acreditam que seria melhor: é uma opção sustentável.
K: Descendo à terra, admite que o PS no governo fizesse uma política diferente da sua?
Não durante muito tempo, embora os resultados fossem diferentes. Se tentasse, sucedia-lhe o que sucedeu ao presidente Mitterrand no primeiro mandato. O PS talvez começasse com uma política diferente, mal, passados doze, quinze, dezoito meses, teria de abandoná-Ia. A realidade não o deixava continuar. Mas os custos que daí resultariam seriam elevados.
K: Nesse caso para que servem os partidos? Bastava o PSD.
São precisas alternativas credíveis.
K: De pessoas?
De pessoas, de métodos e de programa, pelo menos no embrulho. Repare que, no fundo, a oposição promete que vai executar as políticas do governo Cavaco Silva, ou políticas extremamente parecidas, só que diz muito melhor. Hoje ninguém tenta ganhar votos a vender o ideal da sociedade equalitária. Hoje não vale de nada repetir os velhos estribilhos: que os comunistas defendem os trabalhadores, que o socialismo traz a justiça social, que a cultura é de Esquerda. As coisas tornaram-se mais complicadas.
K: Dois políticos deste século que admire. Não diga Sá Carneiro.
De facto, diria logo Sã Carneiro. Conheço mal a história da I República e, como economista, as minhas referências não foram naturalmente políticos.
K: Mais nenhum?
Se lhe dissesse Duarte Pacheco, dizia porque ele também nasceu em Loulé e porque, pelo pouco que sei, era um homem com uma vontade de ferro, enérgico, aberto. Mas só por isso. Não estudei a obra dele.
K: Em política, não tem família.
Há políticos que respeito - admirar não é a palavra - do meu partido e de outros. O Dr. Vítor Constâncio, por exemplo, ainda um jovem. O Dr.. Cunhal, mais velho.
5.
K: O dr. Mário Soares começou a fazer-lhe uma espécie de fronda.
Não. Isso é uma injustiça dos jornalistas em relação ao Presidente da República.
K: A sério?
Quem ler os jornais fica convencido que o Presidente da República não pára de pensar nas maneiras de criar problemas ao governo. Acho uma injustiça.
K: Ele não subiu o tom das críticas ao govemo?
Até agora não, pelo menos às c/aras.
K: Não?
Não. Como Primeiro-Ministro, considero que a atitude do Presidente da República não justifica reparos significativos. De resto, não me pronuncio sobre o assunto. O Presidente da República e o Primeiro-Ministro têm de dar uma imagem de estabilidade ao País.
K: O que não impede que o Dr. Mário Soares seja cada vez mais o centro da oposição.
Quando o Governo e o Primeiro-Ministro entenderem que o Presidente da República se está a substituir à oposição devem tratar do caso com ele próprio e nunca, nunca, na praça pública.
K: O Prof. Adriano Moreira disse, em 1987, que a sua maioria tinha transformado o regime num presidencialismo do Primeiro-Ministro. Se for eleito Presidente da República e essa maioria continuar, passamos ao presidencialismo puro. Ou não? Não. A Constituição não permite.
K: Suponha que é Presidente da República, que nomeia o Primeiro-Ministro, que assiste aos Conselhos de Ministros...
Só por convite do Primeiro-Ministro.
K: Um Primeiro-Ministro do PSD, nomeado por si, certamente que o convidaria...
Não acredito. De maneira nenhuma. Defendo o espírito e a letra da Instituição. Não se pode torcer a Constituição ao sabor das conjunturas eleitorais.
K: Mas, nesta hipótese, a letra da lei seria respeitada, a prática é que mudaria;
Com péssimos resultados. Sempre que o Presidente da República, seja ele quem for, membro do partido do poder ou chefe do partido da oposição, interferir nas competências do governo cria inevitavelmente instabilidade no País. O Presidente deve ficar confinado às suas funções. Cabe ao governo conduzir a política geral do País. O Presidente não dispõe dos instrumentos necessários para o fazer e, se o fizer, fá-Io-à por força pela negativa...
K: Excepto na hipótese que lhe pus.
Mesmo nessa hipótese, o Presidente depressa entraria em conflito com o Primeiro-Ministro. Quando sair deste lugar, espero que quem me suceder, do PSD ou não, não prescinda das suas competências.
K: Não acha a eleição directa do Presidente um resíduo do período «revolucionário»? Não preferia que o Presidente fosse eleito pela Assembleia da República?
Não. Optámos por um modelo que funciona relativamente bem. Neste momento, não me atreveria a tocar-lhe. E note: ao contrário do que sucede em Espanha e em Inglaterra, em Portugal o Primeiro-Ministro não determina a data das eleições e a dissolução do Parlamento. Se o Presidente fosse eleito pela Assembleia, o Primeiro-Ministro ficava com certeza com mais poderes e, então, nem quero pensar no que diriam alguns senhores, que continuam com a cabeça povoada por certos fantasmas.
K: A proposta de lei eleitoral do PSD não prevê círculos uninominais.
Tratou-se de conseguir um equilíbrio entre a governabilidade e a representatividade. Os círculos uninominais asseguram facilmente a governabilidade, mas prejudica excessivamente a representatividade. Em Inglaterra, por exemplo, partidos com mais de 20 por cento dos votos, só elegeram 7 ou 8 deputados. Procurámos uma via intermédia, conservando a substância do sistema em vigor e propondo, entre outras coisas, círculos eleitorais mais pequenos, que aproximam os deputados dos eleitores.
K: Esses círculos pequenos são ainda muito grandes.
Nenhum pode exceder dez deputados.
K: Dez são de mais.
Não nos opomos a que sejam menos e estamos preparados para aceitar menos. Propusemos dez porque duvidamos que o PS concorde com o número inferior. De qualquer maneira, penso que era útil e necessário que a maioria absoluta na Assembleia correspondesse a cerca de 38, 39 por cento dos votos. Isso garantia a estabilidade e facilitava a alternância.
K: Tenciona promover a regionalização?
Quanto à regionalização, sou cauteloso. Não sou totalmente contra, mas sou cauteloso. Por causa dos bairrismos exacerbados e das clientelas políticas. Ao longo destes anos no governo, descobri várias vezes que os maiores defensores da regionalização queriam ser presidentes das regiões. Pessoalmente, preocupam-me alguns problemas. Primeiro, o perigo de recusar a fronteira económica para o interior do País. Se criarmos determinadas regiões no interior, é muito provável que o pólo de desenvolvimento económico delas fique em Espanha. Depois, o perigo da regionalização produzir uma nova classe política e uma nova burocracia. E, principalmente, o perigo de que apareçam em Portugal pequenos nacionalismos. A nossa unidade - linguística, religiosa, étnica... - é uma extraordinária vantagem. Precisamos de garantir sempre a coesão nacional.
K: As oposições insistem...
Ainda por cima, hoje a regionalização tem de se ver a uma luz diferente. Vai-se de Lisboa ao Porto ou a Castelo Branco em duas horas e meia. Daqui a pouco tempo, também já não se leva mais de duas horas e meia do Porto a Bragança. As ligações do País não são o que eram há dez anos e não faz sentido tratar a regionalização como há dez anos.
K: O que significa, na prática, «não ser totalmente contra a regionalização»?
Não aprovo o velho modelo, o modelo do tempo em que todos os partidos estavam na oposição. E espero que a sensatez impere. Que seja feita para promover o desenvolvimento regional e não para servir outros interesses.
K: O dr. Mário Soares começou a fazer-lhe uma espécie de fronda.
Não. Isso é uma injustiça dos jornalistas em relação ao Presidente da República.
K: A sério?
Quem ler os jornais fica convencido que o Presidente da República não pára de pensar nas maneiras de criar problemas ao governo. Acho uma injustiça.
K: Ele não subiu o tom das críticas ao govemo?
Até agora não, pelo menos às c/aras.
K: Não?
Não. Como Primeiro-Ministro, considero que a atitude do Presidente da República não justifica reparos significativos. De resto, não me pronuncio sobre o assunto. O Presidente da República e o Primeiro-Ministro têm de dar uma imagem de estabilidade ao País.
K: O que não impede que o Dr. Mário Soares seja cada vez mais o centro da oposição.
Quando o Governo e o Primeiro-Ministro entenderem que o Presidente da República se está a substituir à oposição devem tratar do caso com ele próprio e nunca, nunca, na praça pública.
K: O Prof. Adriano Moreira disse, em 1987, que a sua maioria tinha transformado o regime num presidencialismo do Primeiro-Ministro. Se for eleito Presidente da República e essa maioria continuar, passamos ao presidencialismo puro. Ou não? Não. A Constituição não permite.
K: Suponha que é Presidente da República, que nomeia o Primeiro-Ministro, que assiste aos Conselhos de Ministros...
Só por convite do Primeiro-Ministro.
K: Um Primeiro-Ministro do PSD, nomeado por si, certamente que o convidaria...
Não acredito. De maneira nenhuma. Defendo o espírito e a letra da Instituição. Não se pode torcer a Constituição ao sabor das conjunturas eleitorais.
K: Mas, nesta hipótese, a letra da lei seria respeitada, a prática é que mudaria;
Com péssimos resultados. Sempre que o Presidente da República, seja ele quem for, membro do partido do poder ou chefe do partido da oposição, interferir nas competências do governo cria inevitavelmente instabilidade no País. O Presidente deve ficar confinado às suas funções. Cabe ao governo conduzir a política geral do País. O Presidente não dispõe dos instrumentos necessários para o fazer e, se o fizer, fá-Io-à por força pela negativa...
K: Excepto na hipótese que lhe pus.
Mesmo nessa hipótese, o Presidente depressa entraria em conflito com o Primeiro-Ministro. Quando sair deste lugar, espero que quem me suceder, do PSD ou não, não prescinda das suas competências.
K: Não acha a eleição directa do Presidente um resíduo do período «revolucionário»? Não preferia que o Presidente fosse eleito pela Assembleia da República?
Não. Optámos por um modelo que funciona relativamente bem. Neste momento, não me atreveria a tocar-lhe. E note: ao contrário do que sucede em Espanha e em Inglaterra, em Portugal o Primeiro-Ministro não determina a data das eleições e a dissolução do Parlamento. Se o Presidente fosse eleito pela Assembleia, o Primeiro-Ministro ficava com certeza com mais poderes e, então, nem quero pensar no que diriam alguns senhores, que continuam com a cabeça povoada por certos fantasmas.
K: A proposta de lei eleitoral do PSD não prevê círculos uninominais.
Tratou-se de conseguir um equilíbrio entre a governabilidade e a representatividade. Os círculos uninominais asseguram facilmente a governabilidade, mas prejudica excessivamente a representatividade. Em Inglaterra, por exemplo, partidos com mais de 20 por cento dos votos, só elegeram 7 ou 8 deputados. Procurámos uma via intermédia, conservando a substância do sistema em vigor e propondo, entre outras coisas, círculos eleitorais mais pequenos, que aproximam os deputados dos eleitores.
K: Esses círculos pequenos são ainda muito grandes.
Nenhum pode exceder dez deputados.
K: Dez são de mais.
Não nos opomos a que sejam menos e estamos preparados para aceitar menos. Propusemos dez porque duvidamos que o PS concorde com o número inferior. De qualquer maneira, penso que era útil e necessário que a maioria absoluta na Assembleia correspondesse a cerca de 38, 39 por cento dos votos. Isso garantia a estabilidade e facilitava a alternância.
K: Tenciona promover a regionalização?
Quanto à regionalização, sou cauteloso. Não sou totalmente contra, mas sou cauteloso. Por causa dos bairrismos exacerbados e das clientelas políticas. Ao longo destes anos no governo, descobri várias vezes que os maiores defensores da regionalização queriam ser presidentes das regiões. Pessoalmente, preocupam-me alguns problemas. Primeiro, o perigo de recusar a fronteira económica para o interior do País. Se criarmos determinadas regiões no interior, é muito provável que o pólo de desenvolvimento económico delas fique em Espanha. Depois, o perigo da regionalização produzir uma nova classe política e uma nova burocracia. E, principalmente, o perigo de que apareçam em Portugal pequenos nacionalismos. A nossa unidade - linguística, religiosa, étnica... - é uma extraordinária vantagem. Precisamos de garantir sempre a coesão nacional.
K: As oposições insistem...
Ainda por cima, hoje a regionalização tem de se ver a uma luz diferente. Vai-se de Lisboa ao Porto ou a Castelo Branco em duas horas e meia. Daqui a pouco tempo, também já não se leva mais de duas horas e meia do Porto a Bragança. As ligações do País não são o que eram há dez anos e não faz sentido tratar a regionalização como há dez anos.
K: O que significa, na prática, «não ser totalmente contra a regionalização»?
Não aprovo o velho modelo, o modelo do tempo em que todos os partidos estavam na oposição. E espero que a sensatez impere. Que seja feita para promover o desenvolvimento regional e não para servir outros interesses.
6.
K: Qual é, para si, o grande obstáculo ao desenvolvimento económico?
Crescemos nos últimos anos a 4 por cento, uma boa taxa de crescimento. Mas reconheço: a Iniciativa e capacidade empresarial são escassas.
K: Em quê?
Sobretudo em matéria de internacionalização da economia. Muitos empresários pensam só no mercado português e deviam pensar no mercado europeu. E, para actuar no mercado europeu, não basta mandar daqui um telex a anunciar que se vendem sapatos ou outra coisa qualquer. Nada dispensa a presença efectiva no exterior e uma estratégia de internacionalização, visando principalmente a criação de circuitos de distribuição.
K: Quanto a si, donde vem a fraqueza dos empresários portugueses?
Da economia um pouco fechada à competição com um forte paternalismo estatal anterior ao 25 de Abril, e também posterior ao 25 de Abril; talvez da tradição.
K: O mercado obrigacionista está razoavelmente bem e o de acções está razoavelmente mal.
A apetência pelo risco não é muito forte. Nunca foi. A Bolsa só teve uns picos em 1973 e em 1987. Apesar de sermos um dos países do mundo com maior taxa de poupança. Porquê? Porque basicamente os portugueses aplicam a poupança em depósitos a prazo. Entre 1974 e 1984, os únicos instrumentos financeiros que existiam eram, aliás, os depósitos a prazo e os títulos do Tesouro.
K: Não me parece uma tendência muito animadora.
Neste momento há muitos instrumentos financeiros à discrição e há sinais positivos. Por exemplo: 250.000 pessoas compraram acções das empresas reprivatizadas. Mas não se recupera de anos de atraso e desconfiança do dia para a noite.
K: A modernização da economia não implica um aumento considerável do desemprego?
Os economistas dizem que é praticamente impossível obter simultaneamente emprego, desinflação, crescimento e controlo das contas externas. Acredito que seja difícil, mas também acredito que hei-de conseguir realizar uma combinação bastante razoável.
K: Como?
A taxa de desemprego anda à volta dos 4 por cento. Se subir para 5 ou 6 ainda será a mais baixa da Europa. Em Espanha está a 15 por cento e não provoca traumatismos sociais graves. Claro que, em Portugal, muitas empresas vão fechar mas outras vão abrir. O que importa é os trabalhadores arranjarem novo emprego a curto prazo. No Vale do Ave, tem acontecido isso: o número de pessoas inscritas no desemprego é reduzido.
K: Não sobrestima a capacidade da iniciativa privada, que aliás lhe parece «escassa», e a mobilidade dos trabalhadores?
Não. Com um forte investimento em infra-estruturas (que favorece investimentos de outra natureza), com um forte investimento estrangeiro (3 biliões de dólares por ano, dez vezes mais do que em 1985) com o investimento privado, que gostaria que fosse inovador e agressivo e com programas para promover a adaptabilidade dos trabalhadores, acho que se fará a modernização sem custos excessivos.
K: E os 18 por cento da população activa que continuam na agricultura?
Uma percentagem muito alta, sem dúvida. E uma população sobretudo de idosos e de analfabetos que não encontrarão emprego na indústria e nos serviços. Existe para alguns deles a possibilidade de um programa de reformas antecipadas. E durante muitos anos ainda a agricultura terá um desemprego oculto e, por consequência, baixa produtividade. Mas não prevejo saídas em massa e desemprego em massa no sector.
K: Um notável optimismo.?
Não, não sou é um profeta da desgraça. Já preveni a oposição: «se os senhores esperam para os próximos anos a grande recessão, o grande desemprego, a grande crise, acabam com um grande desgosto. Não contem com sapatos de defunto».
K: Como vê a economia portuguesa do futuro?
Uma economia ecléctica. Com uma indústria sólida, que em vez de fundar a competitividade nos salários baratos e nos produtos de massa, a funde em «nichos» de produção tecnologicamente avançada. Com serviços diversificados - turísticos, financeiros, de seguros, de engenharia... Talvez com mais de 50 por cento da população activa nos serviços. Mas não uma pura economia de serviços.
K: Qual é, para si, o grande obstáculo ao desenvolvimento económico?
Crescemos nos últimos anos a 4 por cento, uma boa taxa de crescimento. Mas reconheço: a Iniciativa e capacidade empresarial são escassas.
K: Em quê?
Sobretudo em matéria de internacionalização da economia. Muitos empresários pensam só no mercado português e deviam pensar no mercado europeu. E, para actuar no mercado europeu, não basta mandar daqui um telex a anunciar que se vendem sapatos ou outra coisa qualquer. Nada dispensa a presença efectiva no exterior e uma estratégia de internacionalização, visando principalmente a criação de circuitos de distribuição.
K: Quanto a si, donde vem a fraqueza dos empresários portugueses?
Da economia um pouco fechada à competição com um forte paternalismo estatal anterior ao 25 de Abril, e também posterior ao 25 de Abril; talvez da tradição.
K: O mercado obrigacionista está razoavelmente bem e o de acções está razoavelmente mal.
A apetência pelo risco não é muito forte. Nunca foi. A Bolsa só teve uns picos em 1973 e em 1987. Apesar de sermos um dos países do mundo com maior taxa de poupança. Porquê? Porque basicamente os portugueses aplicam a poupança em depósitos a prazo. Entre 1974 e 1984, os únicos instrumentos financeiros que existiam eram, aliás, os depósitos a prazo e os títulos do Tesouro.
K: Não me parece uma tendência muito animadora.
Neste momento há muitos instrumentos financeiros à discrição e há sinais positivos. Por exemplo: 250.000 pessoas compraram acções das empresas reprivatizadas. Mas não se recupera de anos de atraso e desconfiança do dia para a noite.
K: A modernização da economia não implica um aumento considerável do desemprego?
Os economistas dizem que é praticamente impossível obter simultaneamente emprego, desinflação, crescimento e controlo das contas externas. Acredito que seja difícil, mas também acredito que hei-de conseguir realizar uma combinação bastante razoável.
K: Como?
A taxa de desemprego anda à volta dos 4 por cento. Se subir para 5 ou 6 ainda será a mais baixa da Europa. Em Espanha está a 15 por cento e não provoca traumatismos sociais graves. Claro que, em Portugal, muitas empresas vão fechar mas outras vão abrir. O que importa é os trabalhadores arranjarem novo emprego a curto prazo. No Vale do Ave, tem acontecido isso: o número de pessoas inscritas no desemprego é reduzido.
K: Não sobrestima a capacidade da iniciativa privada, que aliás lhe parece «escassa», e a mobilidade dos trabalhadores?
Não. Com um forte investimento em infra-estruturas (que favorece investimentos de outra natureza), com um forte investimento estrangeiro (3 biliões de dólares por ano, dez vezes mais do que em 1985) com o investimento privado, que gostaria que fosse inovador e agressivo e com programas para promover a adaptabilidade dos trabalhadores, acho que se fará a modernização sem custos excessivos.
K: E os 18 por cento da população activa que continuam na agricultura?
Uma percentagem muito alta, sem dúvida. E uma população sobretudo de idosos e de analfabetos que não encontrarão emprego na indústria e nos serviços. Existe para alguns deles a possibilidade de um programa de reformas antecipadas. E durante muitos anos ainda a agricultura terá um desemprego oculto e, por consequência, baixa produtividade. Mas não prevejo saídas em massa e desemprego em massa no sector.
K: Um notável optimismo.?
Não, não sou é um profeta da desgraça. Já preveni a oposição: «se os senhores esperam para os próximos anos a grande recessão, o grande desemprego, a grande crise, acabam com um grande desgosto. Não contem com sapatos de defunto».
K: Como vê a economia portuguesa do futuro?
Uma economia ecléctica. Com uma indústria sólida, que em vez de fundar a competitividade nos salários baratos e nos produtos de massa, a funde em «nichos» de produção tecnologicamente avançada. Com serviços diversificados - turísticos, financeiros, de seguros, de engenharia... Talvez com mais de 50 por cento da população activa nos serviços. Mas não uma pura economia de serviços.
7.
K: Cometeu erros?
Cometi.
K: Por exemplo...
Por exemplo, a forma como introduzi a reforma fiscal, não antecipei a violência das reacções... injustas e de má fé muitas. Em todas as reformas principais julguei que a sociedade podia digerir a mudança mais fácil e rapidamente.
K: Não podia digerir a reforma do Estado?
Recusei a filosofia da reforma global da administração. Sei onde leva: cria-se um grupo de trabalho, o grupo de trabalho transforma-se em direcção-geral, a direcção-geral em secretaria de estado e a secretaria de estado em ministério. E, no fim, não se avançou nada. Prefiro que se descubram e se extingam um a um os organismos inúteis.
K: Extinguiu o mês passado alguns organismos inexistentes.
A Direcção-Geral da Comunicação Social, inexistente? O INIC, inexistente?
K: Não. Mas não me Custava citar-lhe já mais umas dezenas, ou centenas, de organismos inúteis.
E as pedras da calçada a levantarem-se? Cada vez que se quer fechar qualquer coisa - um serviço, um quartel - que devia ter fechado há anos, levantam-se as pedras da calçada.
K: Com a sua fama de autoritarismo, tende a conciliar muito mais do que se supõe.
O autoritarismo não passa de um rótulo. Confunde-se autoritarismo com determinação, com vontade de fazer, com desejo de assumir as responsabilidades. Como não viro a cara e não mudo de agulha ao primeiro obstáculo, chamam-me autoritário.
K: Recua, pelo menos. Em certas áreas e: em certas alturas recuou. Ou não?
Não sou um obstinado. Há vários caminhos e vários momentos para se chegar ao mesmo objectivo. Ao longo destes anos, claro que fui obrigado a esperar e a ajustar muitas politicas às circunstâncias, mas no essencial não desisti dos objectivos.
K: No caso das propinas vai recuar?
Não.
K: Por causa das propinas caíram na CE Vários ministros e governos.
Não vou recuar, porque a situação actual é profundamente injusta e é contra os interesses dos estudantes.
K: Como apura o efeito das medidas que o governo toma?
O acompanhamento da execução das medidas e o apuramento dos efeitos ou resultados está longe da perfeição: não me importo de admitir. Insisto muito com os ministros neste ponto. Não basta aprovar decretos. Existem milhares de decretos, vindos do passado, que ninguém sabe se foram aplicados ou não.
K: E além dos ministros?
Tenho assistentes que me ajudam a questionar os ministros. A imprensa ajuda um pouco. A minha experiência directa também, porque ouço muitas pessoas de fora. Tomo notas constantemente e pergunto constantemente como as coisas estão a correr. Agora mandei preparar «livros brancos»: um sobre o sector financeiro, outro sobre a privatização dos serviços públicos…
K: Cometeu erros?
Cometi.
K: Por exemplo...
Por exemplo, a forma como introduzi a reforma fiscal, não antecipei a violência das reacções... injustas e de má fé muitas. Em todas as reformas principais julguei que a sociedade podia digerir a mudança mais fácil e rapidamente.
K: Não podia digerir a reforma do Estado?
Recusei a filosofia da reforma global da administração. Sei onde leva: cria-se um grupo de trabalho, o grupo de trabalho transforma-se em direcção-geral, a direcção-geral em secretaria de estado e a secretaria de estado em ministério. E, no fim, não se avançou nada. Prefiro que se descubram e se extingam um a um os organismos inúteis.
K: Extinguiu o mês passado alguns organismos inexistentes.
A Direcção-Geral da Comunicação Social, inexistente? O INIC, inexistente?
K: Não. Mas não me Custava citar-lhe já mais umas dezenas, ou centenas, de organismos inúteis.
E as pedras da calçada a levantarem-se? Cada vez que se quer fechar qualquer coisa - um serviço, um quartel - que devia ter fechado há anos, levantam-se as pedras da calçada.
K: Com a sua fama de autoritarismo, tende a conciliar muito mais do que se supõe.
O autoritarismo não passa de um rótulo. Confunde-se autoritarismo com determinação, com vontade de fazer, com desejo de assumir as responsabilidades. Como não viro a cara e não mudo de agulha ao primeiro obstáculo, chamam-me autoritário.
K: Recua, pelo menos. Em certas áreas e: em certas alturas recuou. Ou não?
Não sou um obstinado. Há vários caminhos e vários momentos para se chegar ao mesmo objectivo. Ao longo destes anos, claro que fui obrigado a esperar e a ajustar muitas politicas às circunstâncias, mas no essencial não desisti dos objectivos.
K: No caso das propinas vai recuar?
Não.
K: Por causa das propinas caíram na CE Vários ministros e governos.
Não vou recuar, porque a situação actual é profundamente injusta e é contra os interesses dos estudantes.
K: Como apura o efeito das medidas que o governo toma?
O acompanhamento da execução das medidas e o apuramento dos efeitos ou resultados está longe da perfeição: não me importo de admitir. Insisto muito com os ministros neste ponto. Não basta aprovar decretos. Existem milhares de decretos, vindos do passado, que ninguém sabe se foram aplicados ou não.
K: E além dos ministros?
Tenho assistentes que me ajudam a questionar os ministros. A imprensa ajuda um pouco. A minha experiência directa também, porque ouço muitas pessoas de fora. Tomo notas constantemente e pergunto constantemente como as coisas estão a correr. Agora mandei preparar «livros brancos»: um sobre o sector financeiro, outro sobre a privatização dos serviços públicos…
K: Por que não sobre a saúde e a educação
Com certeza. O pior é encontrar pessoas para fazer os «livros brancos». Falo de pessoas independentes.
K: Que nota daria ao governo neste capítulo?
Dou uma nota, mas com uma observação. Dou 10, mas acrescento que antes de 1985 dava 4.
8.
K: Portugal está na moda?
A frase não é minha, é do Financial Times e do The Economist.
K: E significa?
Significa que em Portugal existe estabilidade confiança, que vale a pena viver e trabalhar aqui, que vale a pena poupar e criar empresas. Usei essa frase porque neste nosso país às vezes valem mais as palavras que vêm do estrangeiro do que as ideias dos santos da casa.
K: «Estar na moda» significa que começamos a ser normais?
No fundo, sim. Em comparação com um período recente da nossa história, em que éramos vistos como um pouco extravagantes, um pouco loucos irresponsáveis; em que andávamos pela mão do FMI, nacionalizávamos, subsidiávamos empresas falidas, fixávamos administrativamente as taxas de juro.
K: Portugal está na moda?
A frase não é minha, é do Financial Times e do The Economist.
K: E significa?
Significa que em Portugal existe estabilidade confiança, que vale a pena viver e trabalhar aqui, que vale a pena poupar e criar empresas. Usei essa frase porque neste nosso país às vezes valem mais as palavras que vêm do estrangeiro do que as ideias dos santos da casa.
K: «Estar na moda» significa que começamos a ser normais?
No fundo, sim. Em comparação com um período recente da nossa história, em que éramos vistos como um pouco extravagantes, um pouco loucos irresponsáveis; em que andávamos pela mão do FMI, nacionalizávamos, subsidiávamos empresas falidas, fixávamos administrativamente as taxas de juro.
K: Que mais o preocupa no mundo?
Como toda a gente, que se perca o controlo das armas nucleares tácticas e estratégicas da antiga URSS.
K: Que riscos corre Portugal, em particular?
Principalmente, riscos externos: um novo choque petrolífero seria terrível, ou uma recessão profunda dos nossos parceiros económicos da CEE.
K: Riscos internos?
A desarmonia institucional.
K: Não falou da oposição.
Precisamos de uma oposição mais forte. Se ela não existir, aumentam as peregrinações ao Palácio de Belém para pedir ao Presidente da República que faça o que não lhe compete; ou aumentam as manifestações de rua. Prefiro a oposição partidária no seu lugar próprio: na Assembleia.
K: Conta com o PS?
Conto. A crise do PS não vai durar sempre.
K: Se deixasse agora de ser Primeiro-Ministro, o que é que deixava?
Deixava um país muito mais bem preparado para enfrentar os desafios do futuro e as complexidades da economia moderna: um paí mais sólido, mais confiante em si, mais decidido a avançar e em condições de continuar a avançar.
K: Já tivemos outras épocas de desenvolvimento e de optimismo e, no fim, falhámos. E se falharmos outra vez?
Não ultrapassámos ainda o ponto crítico; não estamos ainda a coberto de situações imprevisíveis, de percalços. Como a Espanha, por exemplo. Para atingir a segurança dos países da frente, da Bélgica, da Holanda, falta ainda «um golpe de asa». Foi essa a razão por que continuei.
K: Pensou em retirar-se?
Pensei, muito seriamente, e resolvi continuar. Claro que em todas as pessoas há um pouco a ideia de que são insubstituíveis. No meu caso, não acho que fosse isso que me decidiu. Pensei: «esta luta é minha e tenho de fazê-Ia por mais quatro anos». Em 1995, Portugal já estará no SME e, portanto, qualquer governo fica perante duas alternativas: ou se porta sensatamente ou é expulso para a terceira divisão. Não acredito que alguém corra o risco de ser expulso.
K: Por outras palavras, Portugal não é capaz de se governar bem sozinho?
Já ouvi dizer que os Estados Unidos precisavam de um acordo com o FMI...
K: Não me respondeu: a nossa ausência de disciplina interna, exige uma disciplina externa?
A Europa Comunitária limita a tentação de adiar as medidas incómodas, atenua a tendência para a facilidade e a demagogia. Não acho mau. Nós hoje, na CEE, co-gerimos parcelas de soberania; conduzimos políticas interdependentes. Nenhum país conduz as políticas que lhe dá na real gana conduzir.
K: E os políticos portugueses inclinam-se excessivamente para a asneira?
Se olhasse para o passado, diria que sim; se olhasse para depois de 1985, diria que não. Afinal os políticos também aprenderam...
in K 12, Setembro 1991
Comentários
lol...
ainda devo ter por aí umas em papel
;-)
Carago, espremam aí um fundo comunitário e rescuscitem isso! O digital é muito bonito para matar saudades, mas não é a mesma coisa.
Abraço.