Colombo filho de Portugal
Será assim tão difícil mudar o que nos enraízaram desde pequenos na escola e nos filmes? A K tentou em 1991, tentamos mais uma vez em 2002:
"Augusto Mascarenhas Barreto estudou durante 20 anos a misteriosa assinatura de Cristóvão Colombo. Decifrando a cabala, confirmou a tese muitas vezes discutida: Colombo era Português.
A decifração sigla-cabalística atribui a Cristóvão Colombo o nome de Salvador Fernandes Zarco.
É a seguinte a mensagem explícita da cabala estudada por este investigador: "Fernandus Ensifer Copiae Pacis Juliae illaqueatus Isabella Sciarra Camara Mea Soboles Cubae."
A tradução: "Fernando, que detém a espada do poder, de Beja, enlançado com Isabel Sciarra Camara, são a minha geração de Cuba."
A assinatura: Salvador Fernandes Zarco
O PLANO DO REI D. JOÃO II
...Faltava um agente humano; alguém que reunisse condições excepcionais para convencer os Reis Católicos a abdicarem de uma competição com os portugueses no caminho da Índia; alguém que lhes apresentasse uma hipótese, logicamente convincente, para alcançar o Oriente pelo Ocidente, sem a necessidade de contornar-se o continente africano. Teria de ser alguém de categoria, muito culto e educado, capaz de contactar com reis e convencer almirantes, ousado e experiente na ciência náutica - com a perfeição que só a Escola de Sagres e o seus continuadores da Ordem de Cristo fruíam; um homem que soubesse línguas e bem conversar, que se sujeitasse, até à morte, ao imperativo do Sigilo.
E não deveria ser suposto português, para não despertar a desconfiança da nação rival; teria de possuir formação patriótica e fidelidade indefectível ao seu rei. (...) Finalmente, alguém que possuísse suficiente génio para defender-se perante o mais austero interrogatório das forças mentais castelhanas.
O ESPIÃO DO REI
(...) D. João II, teve de tomar uma resolução definitiva: a sua escolha recaiu sobre um mancebo, intimamente ligado à Ordem de Cristo e, presumivelmente, à família real; que já navegara da Mina e dos Açores para Ocidente, e comparticipara na expedição marítima luso-dinamarquesa; que tivera ligações directas com os banqueiros de Génova; que se insinuaria genovês, mas sempre ocultando o nome da terra onde nascera e o dos próprios pais; que, usando um símbolo cabalístico, se assinaria com o seu próprio nome, mas transformado em Cristóbal Colón...
(in O Português Cristóvão Colombo, Agente Secreto do Rei D. João II, Augusto Mascarenhas Barreto, 1988. Ed. Referendo.)
As considerações históricas que o autor da descoberta teceu acerca da identidade de Colombo são naturalmente demasiado complexas para se conterem na entrevista que se segue. Remetemos, pois, o leitor mais apaixonado para a leitura do livro de Mascarenhas Barreto e dos posteriores artigos que este sociólogo publicou.
O que queremos tornar conhecido é o sucesso editorial, absolutamente inédito, que o livro já alcançou. Em Portugal, este livro foi editado no ano de 1988 com uma tiragem de 5000 exemplares. Esgotou a primeira edição e a segunda de 3.000.
Os ingleses é que não perderam tempo. Nunca perdem. Mascarenhas Barreto assinou um contrato de distribuição mundial do seu livro que vale 250.000 contos de réis nos primeiros dois anos. A editora, que naturalmente confirmou a veracidade das suas conclusões, chama-se Macmillan, é inglesa e uma das maiores do mundo. A BBC comprou os direitos de adaptação desta obra para o cinema.
Em Portugal, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos não reconhece o livro nem a tese da nacionalidade portuguesa de Colombo.
Em artigos publicados ao longo do ano de 1990, Mascarenhas Barreto apresentou de forma sucinta as provas da nacionalidade portuguesa de Colombo que foi reunindo ao longo da sua demorada investigação.
O autor protesta e a K faz ouvir a sua voz.
K: ...Quando eu lhe perguntava sobre a divulgação do seu livro, ao ser lançado por um editor internacional, pressupunha que o governo português estava entusiasmado em investigar e apoiar o sucesso do lançamento do seu livro, já para não falar da Comissão dos Descobrimentos...
MB: A Comissão está preocupadíssima com o facto de o meu livro poder perturbar as relações subservientes e de sujeição em relação aos interesses espanhóis, italianos e de toda a CEE. E com a característica que têm os portugueses de há uns anos para cá, de se agacharem sempre, sistematicamente, puseram-se de gatas perante os estrangeiros. Vêem que os estrangeiros estão a tornar-se donos do país, mas não se importam, porque têm também as suas Comissões, têm os seus interesses. E depois, o Portugal que fica é o dos outros, não lhes interessa nada. Este, é o problema. Sob o aspecto cultural, passa-se o mesmo.
Estão a fazer o jogo do estrangeiro, permitem ser insultados. Consentem que digam que nós não sabiamos navegar, que foram os espanhóis e os italianos que nos ensinaram a fazê-lo. Para eles está tudo bem; não lhes interessa que digam que o nosso rei D. João II era um ignorante e que deixou que Colombo fosse para ocidente, por não saber que a terra era redonda, quando o próprio emblema de D. João II é a esfera armilar (que está hoje adoptada pelos espanhóis como símbolo da Exposição Universal que eles vão ter em Sevilha). Os espanhóis é que ainda precisaram de sete anos para ver que o mundo era redondo... E como curiosidade, é bom saber que os desgraçados dos arquitectos do pavilhão português dessa Exposição Universal, consideraram "uma saloiice" a utilização dos símbolos portugueses, a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo, no pavilhão de Portugal. São a degradação da arquitectura simbólica. Mas, evidentemente, essa gente está muito bem enquadrada na escumalha da Comissão dos Descobrimentos.
K: Mas, ao não apoiar o sucesso evidente do seu livro pensa que o governo português ou, de forma mais abstracta, "o aparelho de Estado" está a proceder conforme interesses que não são os nossos?
MB: Em relação aos nossos interesses culturais, o Governo não está a fazer absolutamente nada!
K: E o que é que nós podemos fazer para sensibilizar o Governo da República para as questões que o seu livro levanta?
MB: Temos apenas de rezar para que eles sejam honestos, porque o problema da história do Colombo é só um problema de verdade. Ora, estes homens agarraram-se a um dogma fraudulento, e batem-se por ele para manter apenas o "tacho", a posição que adquiriram. Deve ser mesmo o único país do mundo em que os serviços culturais responderam, por carta, ainda há pouco tempo, ao comandante José Martins (um oficial de Marinha que perguntou à SEC por que razão é que não tomavam uma posição em relação ao meu livro), que não tinham ninguém para bem avaliar o meu livro! E, mais, diziam que ficavam à espera que os estrangeiros se manifestassem sobre este assunto.
Tal é a Secretaria de Estado da Cultura deste país! Portanto, não há nada a fazer, Portugal é uma anedota, e uma anedota trágica, porque acabou. É um país em que se fazem todos os esforços para que um dia os nossos filhos e os nossos netos fiquem a engraxar as botas aos estrangeiros. Eis o programa aparentemente estabelecido.
A História, em Portugal, constitui a única coisa da qual os portugueses se podem orgulhar, e até isso estão a conspurcar... É o que me indigna.
K: Se me permite, eu acho que nos podemos orgulhar da História e também da vivência que nós temos dela, o que corresponde a um outro estado de espírito...
MB: Sim. Mas essa vivência que nós temos da História está a ser destruída diariamente...
K: Isso é impossível!
MB: Não é a nós, pessoalmente, meia dúzia de "eleitos"; temos de contar com doze milhões de habitantes... De maneira que quando me fala da vivência da História que temos, "temos" nós, meia dúzia? E os outros, os dez milhões de habitantes? - Esses serão os que engraxarão os sapatos aos estrangeiros... e tudo nos prepara para isso, estão a ensinar-nos a ser, apenas, os moços de fretes...
K: O seu livro sobre Colombo, trabalho que o mobilizou durante quase vinte anos, é a prova acabada de que a teimosia e a autoconfiança podem conduzir a resultados definitivos; não precisamos que o plebiscito da nação confirme a sua tese para que esta venha a ter evidentes repercussões no resto do mundo...
MB: A minha teimosia tem uma história. Eu acabei o livro e mostrei-o ao meu mestre, que venero, embora só se devam venerar os santos... Era o padre António Silva Rego, prof. catedrático de História, do Instituto em que eu andei a aprender umas coisas, apenas umas coisas... E ele apoiou o livro, disse que o livro estava bem feito, que eu apresentava imensas provas lógicas, mas que precisava de uma prova real. Era a sigla... A assinatura que durante 500 anos tinha permanecido indecifrável. Para ele, aquilo seria uma cabala hebraica e, com toda a certeza, sefirótica...
K: Qual é a diferença?
MB: É que há três sistemas de cabalas. Temúria, o Notarykon e a Guematria. São várias formas de se fazer criptografia, códigos, como nos serviços secretos. Para mim, a cabala era uma prática quase mágica, uma magia, ou então uma organização um pouco estranha, proibitiva. Estive quinze anos a estudar só a parte hebraica. E depois é que comecei a entrar por outros campos, a parte templária. Depois de quinze anos de frustração, insisti. Nunca renunciei. Achei que tinha chegado a altura de precisarmos, novamente, de um herói, de alguém que fizesse com que nos orgulhássemos de ser portugueses.
K: A iniciativa que tomou foi secreta, foi pessoal, pelo menos até dada altura... Depois, quando as suas conclusões começaram a vir a público, o que é que aconteceu?
MB: Foi pessoal e esgotou-me completamente todos os bens. O livro foi escrito e ilustrado tudo à minha custa, com centenas de contos despendidos, com dificuldades terríveis da minha vida particular... Isto é um país de bastardos. Está completamente abastardado o sentimento patriótico. Os homens não sabem o significado de uma bandeira, não sabem o significado de coisa nenhuma... Qualquer dia esquecem o significado da Cruz.
K: O que eu acho é que com um trabalho como o seu livro, não vale a pena lamentarmo-nos tanto... Assim que houve conhecimento da parte de alguém, sobre a verdade dos resultados a que chegou, que tipo de problemas é que passou a enfrentar?
MB : Apareceram uma série de intelectuais a apoiarem-me. Entre eles, o maior número e os melhores, apareceram generais, pessoas da velha guarda. Esses vieram todos a dizer que estava muito bem, que o livro estava muito bem feito. E eu fiquei satisfeito porque se tratava de generais e almirantes da velha guarda, inteligentes e cultos. Os outros, não se manifestaram.
Olhe, meu amigo: eu sou fundamentalmente um sabreur; comecei a fazer esgrima aos sete anos; aos quinze anos era campeão juvenil. Os meus adversários tinham vinte e tal. Sou um cavaleiro de formação profissional e quase mental. E sou patrão de costa, velejador. Mas acho que sou apenas um resto... Uma coisa que restou.
K: Ao esforço a que correspondeu este livro estão decerto associadas a fantasia e o devaneio, a premonição do que aconteceria com ele após o seu lançamento. Existe uma forma ideal do livro ser conhecido e divulgado e também uma expectativa da repercussão que podia ser sentida pelo seu único autor.
MB: Eu digo-lhe que a parte poética é um vício de formação, uma forma de prazer pessoal. A estrutura que o livro apresenta, do tipo policiário (eu não digo policial, digo policiário), foi intencional, para despertar o interesse.
O objectivo do meu livro é ver se algum de nós ainda tem alguma alma, é quase uma sondagem com a intenção de saber se existe ainda um pouco de alma portuguesa.
K: Mas como espera ver isso, que reacções é que espera e como é que as julgará?
MB: Eu espero ver as reacções daqueles que me davam apoio, saber se ficam satisfeitos, orgulhosos por aquilo que digo sobre o trabalho dos Portugueses, o esforço dos Portugueses no mundo, as suas próprias qualidades... E até pelo facto de esse herói, que é tão cobiçado por toda a gente, ser português.
K: Além da proposição "Colombo era português e não genovês", este livro contém um sentido ideal muito mais importante...
MB : A razão do livro não era apenas a disputa da nacionalidade de Colombo. Esse era o leitmotiv, um pretexto para eu falar de Portugal, dos portugueses, de tudo aquilo que nós fizemos. Ou melhor, é uma verdade dirigida a toda a canalha que hoje está na Comissão dos Descobrimentos.
A toda essa gente que nos denigre propositadamente porque mantém ligações corruptas com o estrangeiro, com os interesses alheios a Portugal. É isso que me magoa. Eu quis mostrar as coisas que nós temos e que, no fundo, são apenas demasiado importantes.
K: Ainda não estou satisfeito com a sua resposta. É verdade que a sua ambição e sentimento patriótico foram grandes...
MB: Trata-se de uma ambição cultural e não monetária. A monetária caiu do céu, como um maná sobre o deserto.
K: Bem sei, bem sei. Mas eu estou a falar de outro mundo. A questão principal, mais subtil e mais valiosa no que respeita à posição de Portugal no seio das outras nações, e mesmo em relação à ideia que os portugueses têm de Portugal, é que o facto de ser genovês também convém aos espanhóis... Se Colombo tivesse realmente sido um cardador de lãs genovês, os espanhóis ter-lhe-iam oferecido uma oportunidade... que os portugueses não souberam aproveitar...
MB: Claro que convém que seja genovês. Durante a vida de Colombo, os espanhóis acusaram-no de ser português e negaram os direitos aos filhos, por ser traidor e português! Agora convém-lhes dizer que é genovês e que os espanhóis é que eram os inteligentes, muito sabedores, conhecendo onde estava, do "outro-lado-de-lá" a Índia, e mandando-o a ele, porque o rei de Portugal era estúpido. Essa a posição da Espanha. Ora, não foi isso que aconteceu. Mas é isso também que defendem os tipos da Comissão dos Descobrimentos...
K: A médio prazo, outros temas do seu livro poder-se-ão também tornar importantes. Estou a pensar, por exemplo, no lugar que atribuiu ao refúgio dos "Cátaros" em Portugal. Estou também a pensar no pacífico entendimento em que viviam as comunidades árabe, judaica e cristã, nos primeiros séculos da nossa independência...
MB: Isso tem a maior importância. Tratava-se de uma nova maneira de ser, de uma diferente maneira de ser. A inquisição é-nos imposta. Há uma certa forma de liberalismo que é nossa. Antecipámo-nos aos ingleses. Somos os primeiros a chamar o povo para junto do rei, o que eu acho muito bem. O povo a ter direito a voto, representação e voz. A nossa monarquia inicial é o povo e o rei. E depois há o culto do Espírito Santo, muito importante também e que vai até ao fim do livro. O livro é sobre o Espírito Santo, eu cruzo-o de Espírito Santo. O livro, incide sobre o Evangelho de S. João. Estão lá S. Bernardo, e a missão templária. Evidentemente que isso se encontra disfarçado. Toco no assunto em todos os capítulos. Com ele começo e com ele acabo. Disfarcei porque sabia que esta escória ficava danada. E os gajos ficaram danados. Os socialistas e os comunistas ficaram danados. Eu estou-me nas tintas, não escrevi o livro para eles.
K: Na minha opinião, é muito pouco considerarmos só a reacção da esquerda. Numa situação como aquela que o seu livro criou, podemos ambicionar conceber outro tipo de respostas, talvez identificar um outro tipo de correntes de pensamento no nosso país...
MB: A malta "normal", está toda do meu lado. Eu fiz até agora cerca de quarenta e seis conferências em vários sítios, incluindo a Academia de Marinha e estabelecimentos de ensino. Tenho quatrocentas e tal cartas para responder. É uma reacção favorável. Mas temos o Estado. E o Estado é pró-marxista. Porque apesar de haver um Cavaco... Mesmo que o Cavaco apareça vestido de César, de Júlio César, está rodeado de Brutos que estão lá metidos e que ninguém arranca de lá. A maioria dos serviços estão recheados de marxistas-materialistas. Repare que o Luís de Albuquerque era comunista e o Vasco Graça Moura do MDP-CDE. Toda esta canalha que rodeia o Cavaco é do piorio. São todos anti-portugueses. O azar deles foi não terem mais hipóteses de haver Ceausescus, porque os Ceausescus acabaram. A grande ambição deles era que o primeiro-ministro português fosse um estalinezinho, à dimensão nacional. O que eles gostavam de ter era um Estaline da Malveira. O senhor julga que eu sou doido, mas eu não sou; sou um bocado, mas não totalmente.
É que eu digo todas estas coisas, mas digo-as em qualquer lado, digo-as numa conferência, estou-me absolutamente nas tintas. Porque me sinto acima desta canalha toda. Acima, moralmente. Não é por saber mais, porque até posso saber muito menos; nem é por ter mais poder, coitadinho de mim, que sou um mísero professor. Mas tenho a coragem moral de português, de poder ladrar. E ladro alto; e uivo e fico danado com estes gajos. Se eu os pudesse ter na frente da espada, limpava-Ihes o sebo.
K: o senhor é evidentemente um português. O português não tem tempo nem condições para saber muito seja do que for. Não podemos saber muito porque vivemos a lutar contra a miséria. Sobrevivemos...
MB : Não podemos saber muito, somos um bocadinho como o pato. Corre, mas corre mal. Voa, mas voa mal. Nada, mas nada mal. Canta... mas canta mal. Mas é pato... Não, eu sei umas coisinhas de algumas coisas; sei até algumas coisinhas de História e posso dizer-lhe que sei mais de Colombo que alguns professores catedráticos. Mas sei menos de Sociologia do que alguns professores vulgares de Sociologia.
Por exemplo, em relação à exposição das matérias no meu livro, se eu tivesse usado o tal método científico que eles me exigem, nem cem exemplares tinha vendido.
K: Disse-me que a razão principal que o levou a questionar a naturalidade italiana atribuída a Colombo era de natureza sociológica, relacionava-se com a origem social do navegador. Quer fazer algum comentário sobre isso?
MB: Tive a intuição de que ele não podia de maneira nenhuma ser genovês, era um disparate muito grande. A intuição foi-me dada pelo sentido dos estamentos da época.
No séc. XV, era impossível a um genovês chegar cá e casar logo com a filha de um Bartolomeu Perestrelo. No séc. XV, era impossível a um genovês, cardador de lã e taberneiro, chegar cá e o rei mandá-Io sentar na sua presença para conversarem, convidá-lo para a mesa. E escrever-lhe uma carta em tom de "nosso querido amigo Cristóvão Colombo, em Sevilha". Estamos no séc. XV, não estamos no séc. XX. E mesmo no séc. XX, se aparecer por cá um cardador de lã, genovês, nem sequer vai poder falar com o Mário Soares, nem sequer com o Cavaco...
Então um tipo sem eira nem beira chega cá e casa logo com a filha do Bartolomeu Perestrelo, assim sem mais nada? Ainda por cima, ela estava internada num convento como pensionista, não fez votos. Isso é uma questão que me deixou inquieto, ainda antes de escrever o livro. Sociologicamente, há qual- quer coisa que está errada.
Era também impossível que no séc. XV um taberneiro cardador de lãs, que até aos 24 anos só tinha problemas com os credores tivesse os seus conhecimentos de cosmografia, ciência náutica, teologia, línguas clássicas e até actuais. Depois havia uma data de discrepâncias, porque ele dizia que tinha andado com os portugueses no mar desde os catorze anos; não podia ser o mesmo. Além disso, "o outro" nasceu em 1451 e eu acabei por verificar pelas próprias declarações do Colombo que nasceu em 1448. Como é pouco natural que um homem nasça duas vezes, parti do princípio que estava errado.
Outra coisa ainda: os genoveses apresentam uma casa onde supostamente Colombo nasceu (já a devem ter mostrado ao Presidente Mário Soares, pois apresentam-na a todos os saloios). É uma casa que foi adquirida pelo pai do cardador de lãs cinco anos depois de este ter nascido e, mesmo assim, consegue nascer nessa casa, o que é difícil de aceitar mesmo para um analfabeto que não saiba matemática... Mesmo para quem não saiba aritmética é difícil. Havia qualquer coisa que estava errada. Comecei a estudar e acabei por descobrir quem eram todos os seus protectores: parentes. E foi assim. Um amigo meu conseguiu o acesso ao arquivo secreto espanhol e fotocopiou-me o processo contra a coroa. O processo de Diogo de Colón, que eles não deixam ver. E, meu caro amigo, tem tudo.
Colombo foi a dada altura votado ao ostracismo pelos reis espanhóis, não pode aparecer em lado nenhum porque é acusado de ser português e traidor à pátria. Porque não entregou a Índia à Espanha.
Entretanto, ele nunca foi para além de Cuba, nem sequer passou a ponta de lá de Cuba. E só vai à Venezuela em 1504, porque o rei D. João II disse que ali havia terra firme.
O rei D. João II dissera-lhe que havia terra firme na Venezuela e no Panamá antes do descobrimento da Índia! Não tem medo nenhum de o mandar lá. E ele só vai depois do descobrimento da Índia e do Brasil, que é oficialmente descoberto em 1500. Colombo só vai em 1504. Os espanhóis não descobriram a América antes de nós.
K: E aquilo que diz sobre o descobrimento do Brasil?
MB: O Brasil já estava mais do que descoberto em 1500, quando Pedro Álvares Cabral lá chegou. A carta do mestre João é formidável... O rei já tinha em Lisboa a carta com o mapa da costa do Brasil e os homens de Cabral, quando chegam ao Brasil, mandam-lhe uma nau a dizer... Se quiser ver aonde a gente está... Esse mapa do Pero Vaz Bizagudo só não tinha a indicação de que a terra era habitada, apresentaria apenas os contornos da costa. Mas a terra já estava descoberta; digo eu, está escrito!
Colombo nunca vai para ocidente com medo que existisse um canal do Panamá, uma passagem qualquer para ocidente. Ele só tinha encontrado ilhas e temia que houvesse uma passagem para o lado de lá. Mesmo que os portugueses já tivessem o Brasil e a Terra Nova, ele não queria que, depois disso, os espanhóis pudessem fazer concorrência aos portugueses no comércio da Índia e, por isso, nunca vai para ocidente, nunca passa a ponta de Cuba. Nem a contorna, nunca chega à América. É extraordinário. Nunca chega à Florida, mantém-se fiel a D. João lI, mesmo depois da morte do rei. O rei morre em 1495 e ele em 1506. A última viagem que faz é em 1504. E ele nunca vai, recusa-se. Portanto, acaba votado ao ostracismo. Morre e os filhos têm problemas de todo o tamanho. E só se reabilita o neto.
K: E os filhos estavam ao corrente da identidade do pai?
MB: Estavam. Fernando Colón faz um pedido à imperatriz Isabel, mulher de Carlos V, para ser indemnizado pelas perdas das suas avós portuguesas. Ora, o Fernando é filho bastardo, em princípio, de uma cordovesa e eu até pensei que as avós portuguesas eram pela parte do pai. Fiquei encantado. Mas não era assim, a mãe é que era portuguesa. A Beatriz Henriques, a mulher com que Colombo nunca casou mas com quem viveu em Córdova, era uma nobre portuguesa cuja mãe era herdeira de terrenos em Espanha que foram confiscados após a batalha de Toro. Tive de estudar estas coisas para provar a minha tese. Estou-me nas tintas para defender os interesses italianos e espanhóis.
K: O que me preocupa é o facto de estar muito próxima a exposição de Sevilha e perceber que o senhor não conta com o seu país para a defesa da sua causa.
MB: Ainda antes disso, antes de Abril de 92, este livro vai rebentar como uma bomba, explodir em todas as línguas, por todo o mundo. Um amigo meu convidou-me para seis conferências nos Estados Unidos, mas acrescentou: " - Não venhas ainda, porque eu ainda não arranjei a segurança. Por causa da Mafia. Os genoveses matam. Sabes o que é que fizeram? Ao pé de New Foundland, que foi descoberto pelos portugueses, erigiram uma estátua a Portugal, ao Infante D. Henrique. Foi dinamitada no dia seguinte, desapareceu. Os italianos rebentaram com ela."
O que eu disse ao meu amigo foi o seguinte: "- Olha, eu tenho 68 anos completados em Janeiro, não preciso de viver mais. Vou para lá; se os gajos me matarem, é uma coisa encantadora, fica o livro consagrado."
K: Não pode ser, o livro não pode precisar que o senhor morra para ser consagrado. É preciso acabar com essa coisa da consagração póstuma; é tarefa dos portugueses, acabar com esse valor da posteridade!
MB: Eu não me importo nada; estava a falar-lhe da esgrima e para mim é um toque. Leva-se um toque e acabou, não se pensa mais nisso. Paciência, acabou-se, morreu. Actualmente, estou desanuviado. Passei grandes dificuldades. Nunca mais andei de automóvel, passei a andar de autocarro. Deixei de tomar as minhas bicas, deixei de convidar os amigos lá para casa, para estarmos ali a conversar. Durante dezasseis anos. É uma espécie de regresso à miséria...
E foi isto que disse o homem que reclama a nacionalidade portuguesa para Cristóvão Colombo. E foi isto também que eu ouvi e para estas folhas transcrevi. E mais não digo."
In K, nº 5, O último descobrimento, Pedro Ayres de Magalhães, Fevereiro 1991
Comentários
Acabem-se com os cursos de História ou então ponham MB e afins a leccioná-los.
Não surpreende a atitude de alguns portugueses. Subdesenvolvidos económica e culturalmente.
Precisávamos muitos mais MB para este pais ter um projecto nacional. (não nacionalista)