Fugir de Portugal - Parte 3 - O Haxe


Fotografia: Pedro Cláudio



AS DROGAS NATURAIS estão a fazer um repentino comeback depois do último Verão, com o reflorescer de milhares de novas plantações domésticas em marquises disseminadas pelo País Real, em vasos de terraços e nos próprios canteiros da GNR de Vila Nova da Zambujeira. Não se trata de um renascimento neo-hippie, à semelhança do que se pode observar em Londres e noutras capitais europeias. Longe de qualquer onda saudosista, o renascer do consumo do haxe e da erva é apenas o grito de revolta dos mais desfavorecidos perante o insuportável tédio que impregna a vida quotidiana dos portugueses. É que nem todos podem esportular as maquias exigidas pelos produtores das pastilhinhas coloridas que se tornaram moda nos últimos tempos entre os escapistas ricos deste nosso País Real. Como alternativa às multinacionais do crack e da ecstasy, ao luxo da coca e do cavalo, resta-nos o retorno aos bons velhos produtos naturais, que entorpecem sem causar dano, que entontecem sem fazer cair, que adormecem sem fazer sono. Que dão muito pouca ou nenhuma ressaca.

Fumar uma passinha é um hábito inofensivo enraizado em muitos milhares de portugueses e que a negrura dos tempos que se avizinham irá provavelmente expandir a muitos outros, que não encontram melhor alternativa ao tédio quotidiano. Um charro começa por bater com uma tontura suave, depois uma sensação de «altura» e euforia controlada. Se o produto for de qualidade, pode passar a uma fase em que se perde a noção do tempo, a ponto de em dado momento e em relação a dado acontecimento não se saber se passou um minuto ou meia hora. Existem relatos de ocorrência de alucinações, mas atenção, que na maioria dos casos o abuso conduz ao enjoo e vómito subsequente. Com cuidado e moderação, um bom escapista pode atingir um estado de indiferença controlada em relação ao quotidiano, com o único senão de uma leve ressaca no dia seguinte.

Para os que já esqueceram, ou ainda não experimentaram, lembramos que a Cannabis Sativa se dá esplendidamente no nosso clima temperado. Embora os manuais rezem que as sementes degeneram ao fim de duas ou três gerações de cultivo fora dos trópicos, tal não se verifica se forem seguidas precauções mínimas, e de um modo geral, a produção doméstica e urbana portuguesa, cultivada em marquises soalheiras, é comparável, ao que de melhor se consegue em zonas tropicais.

Convém dispor as sementes em terra arejada, no princípio da Primavera, e fazer o transplante quando os rebentos atingirem 2 a 2,5 cm, para vasos de bom porte e terra barrenta, rica em argilas sílico aluminosas, onde as plantas jovens possam crescer sem entraves físicos, buscando a Iuz do sol, na vertical até ao terceiro mês. Quando, depois da inflorescência, a altura atingir os 2 a 3 metros, cortam-se e secam-se os pés com as cabeças para baixo, tendo o cuidado de aparar a seiva que eventualmente exsude das extremidades da planta, que produzirá um haxe de primeira qualidade. As flores e folhas secas serão trituradas e fumadas tal qual, em mortalhas de papel de arroz, sendo proverbiais os efeitos hilariantes da generalidade das ervas de fabrico nacional.

O haxe pode ser fumado em tabaco, em cachimbos, ou até ingerido em bolos. O que interessa é que esta droga é inofensiva, não vicia e já pouco interessa à Polícia.

Para os que não disponham de espaço para cultivo, lembramos que pode ser adquirida com facilidade nalguns dealers mais idosos da generalidade das Capitais de Distrito do Continente e Ilhas Adjacentes.

A cannabis e os seus derivados são de longe as melhores alternativas ao País Real que um português de posses limitadas pode encontrar. Sejam de produção própria ou de importação, estas drogas naturais estão em vias de reencontrar o lugar que lhes cabe no coração dos escapistas nacionais. Sobretudo entre os que rejeitam a produção intoxicante das drogas químicas produzidas pelas autênticas multinacionais, que hoje em dia inundam o mercado de alucinogéneos, entorpecentes ou euforizantes químicos de consequências sempre nefastas para a saúde dos consumidores. E se marimbam para o ultrapassado snobismo yuppie dos que se riem dos charros, só para snifarem drogas caríssimas e aldrabadas, que na maior parte das vezes só servem para anestesiar as gengivas do maxilar superior.

In K, nº15, Portugal: Como dar o salto – Haxe, Alberto Castro Nunes et alii, Dezembro de 1991

Comentários

naoestaciona disse…
Muita gente fala simplesmente sem saber, dizem que gostam ou que não gostam de drogas sem terem o mais mínimo contacto com elas. Ora bem, quando dizem que são nefastas...eu penso...eu consumo cannabis desde os meus 15 anos e já tenho 23, fumo todo os dias, uma média de 4 "charros" por dia e fiz um curso profíssional cá em Portugal, uma curso superior em Londres e agora tenho um
optimo emprego, ainda consumo cannabis todos os dias, afectou-me de alguma forma? Só se foi para melhor. Muito bom resto de dia para todos, e que Portugal e o mundo tenha uma mentalidade mais aberta.

Ruben

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