Há gente para tudo: O Castigo
DIZ-SE que o castigo infligido às raparigas nasceu nos bordéis, consequência inevitável de um serviço não inteiramente satisfeito ou de algum capricho não realizado. Curiosamente, esta mesma versão responsabiliza não homens irascíveis mas as donas dos próprios bordéis. Uma delas até teve a ideia de fotografar o momento do castigo para mostrar aos seus clientes a disciplina que reinava na casa que dirigia. Teve o efeito inesperado de se converter em mais uma atracção. Outra versão sugere a origem de tão severa prática nos colégios internos de raparigas. Sendo tanto uma como outra explicações possíveis, e não contraditórias, as duas pecam por certo novecentismo excessivo.
Acredito que o castigo, como preliminar erótico, deve ter começado no momento em que uma mulher disse não, e se decidiu castigá-Ia não apenas com sofrimento, mas sobretudo com humilhação.
No limiar do sado-masoquismo, o castigo é prática erótica mais mística. A expiação antes de cometer o pecado assegura a inocência conservada. A licença que autoriza o deixar-se levar pelos caminhos do prazer.
Embora as formas de castigo possam ser tantas quanto a imaginação quiser criar, há uma parte do corpo da mulher que é a mais emblemática: as nádegas. De facto esta atractiva parte da anatomia feminina possui as condições perfeitas para que se exerça um castigo minimamente convincente com uma ausência quase total de consequências perigosas. Por razões óbvias e que por uma questão de bom-gosto não entrarei em pormenores, aquelas partes carnosas são as menos dignas de qualquer mamífero e não só.
O facto de que a essência do castigo não é a dor mas a humilhação, consagrou o traseiro como o sítio ideal. Seja com a mão, com pequenas e flexíveis varas, ou mesmo com um pingalim, só em casos de descontrolo absoluto esta prática pode provocar algum problema de saúde irreparável. Mesmo a posição de oferecer as bimbas já é em si mesma um símbolo de submissão muito mais forte do que o cristão dar a outra face ou o oriental baixar a cabeça.
Pode exercer-se o castigo com as bimbas cobertas ou não. Cada «disciplinador» tem o direito de escolher a forma com que as bimbas lhe são brindadas.
Claro está que há outros castigos que deixam as bimbas de fora. Nos colégios internos de raparigas, fazer a cruz com a língua no chão foi uma das mais populares até há muito pouco tempo. Aliás, esta prática, com alterações, foi adoptada nos bordéis com grande sucesso.
O castigo, além das virtudes acima referidas, contém um pormenor curioso: segundo as estatísticas, todas as raparigas que na sua adolescência foram castigadas com métodos similares aos aqui indicados, reconheceram ter sentido mais prazer do que dor. Na realidade, e como vimos a pregar desde o primeiro número, todas as práticas sensuais, desde que sejam feitas com cumplicidade, são exemplos maravilhosos da capacidade humana para chegar mais longe, mais rápido, mais alto.
in K, nº 20, Há gente para tudo – Hoje: O Castigo, A.J. Rafael, Maio de 1992
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