Há gente para tudo: O pé




Nunca se sabe onde é que as coisas podem ir parar, nunca digas desta água não beberei, nunca digas nunca, e por aí fora. Enfim, estas frases explicam, com a simplicidade insubstituível do saber popular, o objectivo destas páginas. Propomos revelar erotismos alternativos ou de apoio, para vossa informação ou, quem sabe, realização pessoal. Queremos que os nossos leitores saibam que há gente por este mundo fora que não consegue atingir os prazeres sublimes da carne de uma maneira clássica ou canina, como a maioria de vocês estão habituados. Há sempre uma outra maneira de o fazer que é desconhecida, seja por juventude, por ignorância, por falta de educação, por demasiada saúde ou doença até dizer chega.

Não acreditamos que dentro de nós exista «de tudo um pouco» mas sim que todos têm a sua perversãozinha favorita. Muitas vezes não passa de um sonho inocente nunca realizado mas sempre envergonhado.

Algumas das formas que vos apresentaremos talvez vos choquem, vos façam rir ou vos surpreendam por vê-las incluídas nestas páginas. Não importa. O nosso dever é não vos esconder nada e ajudar-vos nessa terrível batalha pela felicidade. E quem sabe, talvez, a partir destas páginas possam começar uma nova vida.

A OBSESSÃO com o pé duma mulher, como em todas as obsessões, não trata do que o pé pode fazer mas o que se pode fazer com ele. A resposta é sempre a mesma: tudo. A fixação numa parte da pessoa desejada faz com que toda ela seja essa parte. Os padrões de beleza ou de estímulo variam de acordo ao nível do sujeito. Muito provavelmente quanto mais civilizado seja o fetichista (há gente que os chama por esse nome) mais procurará uma beleza selvagem, um sabor sem tratamentos filtrantes, natural, mais ecológico. Outros, mais classe média, exigem no seu objecto de desejo elementos auxiliares como unhas pintadas, limpeza cuidada, Fuss-Frish, Dr. Schol, etc.

Da mesma maneira que não podemos dissociar os seios do decote, os sapatos fazem parte do universo erótico do pé.

Não sabemos quem inventou o salto alto. Não faz mal. É o que menos interessa neste momento, embora aqui rendamos homenagem ao seu génio. Haverá algo mais perfeito do que um pé num ângulo maior de 45°, como que a tentar levitar? Poder-se-ia descrever o perfeito equilíbrio de um pé dentro dum sapato de salto agulha?

Aliás, não é só o salto alto. São também as botinhas com os seus intermináveis cordéis, ou as botas de montar que apesar de masculinas e austeras, não nos conseguem enganar: sabemos que dentro delas estão uns pezinhos delicados e quentinhos à espera de outro conforto, talvez mais fresquinho, que só nós podemos oferecer.

As sandálias são o oposto às claustrofóbicas botas. Nelas podemos apreciar quase todo o esplendor dessas deliciosas extremidades. Elas são como esses decotes arrogantes que vivem no limite da sua própria existência. Não esqueçamos aqueles sapatinhos chamados «Sabrinas», que apenas cobrem a ponta dos pés e nos mostram com impudor o nascimento de cada um dos dedinhos, como que pedindo ajuda para sair...

Os pés de uma mulher não necessitam de nada mais do que alguém que aprecie a beleza intrínseca e prazer profundo que albergam.

As suas delicadas e firmes curvas, a sua harmoniosa distribuição de partes macias e ásperas, fazem deles uma fonte inesgotável de alegrias latentes, prontas a explodir.
Adoradores dos pés, tendes razão.

in K nº17, Há gente para tudo - Hoje: O pé, A. J. Rafael, Fevereiro de 1992

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