Kane Pela Graça de Kane


SAIA um Kane à pressão para a mesa do kanto, pediu a Kapa pelo telefone. Alegadamente, a voz off era do Direktor. Não exagero ao pensar que milhares de direktores devem ter feito pedido semelhante a milhares de kriaturas como eu neste mês de Maio de 1991. Komemorar o 500 aniversário da estreia de Kane é koisa que não vai eskapar a muitos. Só mesmo, talvez, em 28 de Dezembro de 1995 - quando se comemorar o centenário das sessões dos Lumiere - tantos se vão lembrar ao mesmo tempo do mesmo. É justo? Godard rebola-se no túmulo e do fundo dele - há vinte e sete anos e pikos - responde ke sim: "Malditos sejamos todos se esquecermos, nem que seja por um segundo, que, além de Griffith, Welles foi o único - um para o mudo, outro para o sonoro - que fez avançar este maravilhoso comboiozinho eléctrico em que Lumiére não acreditava. Todos, sempre, lhe deveremos tudo."


Por uma vez não era polémiko nem excêntrico. O ke ele disse nos anos 60, mais palavra menos palavra, foi o ke toda a gente disse neste meio sékulo. Para ká dos anos 60 é a monotonia. Não há inkérito que se faça, neste ocidental hemisfério amerikano, em que Citizen Kane não apareça, invariavelmente, à kabeça da lista dos melhores filmes de todos os tempos. Antes deles, se não foi o primeiro, foi sempre dos primeiros. E Pauline Kael demonstrou, com argumentos dificilmente kontestáveis, que não passava de lenda a ideia feita de ke o filme fora maldito à sua époka. Não teve o best da Akademia? Não teve, é certo (foi, nesse ano, para How Green Was My Valley, de John Ford, de que ninguém se vai lembrar em 18 de Dezembro, quando fizer, ele também, 50 anos). Mas teve cinko nomeações e ganhou o oskar do melhor argumento (adaptação original) partilhado por Welles e por Herman J. Mankiewicz. E ganhou o New York Film Kritik's Award que nesses anos bem pensantes dava outro chik.

Se se pensar que quatro meses antes da estreia Nicholas Schenck, em nome de Louis B. Mayer e provavelmente de toda a indústria amerikana, prometera a George J. Schaefer, o patrão da RKO, uma oferta Kash de 842.000 dólares (686.033 tinha kustado o filme) em troka da destruição do negativo e de todas as kópias de Kane, essas nomeações e prémios ainda mais insólitos parecem. Foram um desafio inédito - sem antecedentes nem konsekuentes - às forças que estavam por trás de tal oferta, no fundo às forças que moviam Hollywood. Vencê-las e chegar às salas já era de si prodígio que no mesmo ano e no mês de Maio a propósito de outro Kasus belle, eventualmente menos agressivo (The Outlaw, com Jane Russel), nem todo o arkidinheiro do arkimilionário Howard Hughes conseguiu. Chegar às salas, rekuperar o dinheiro investido e andar ainda nos tops das listas dos krlticos e dos akadémicos é de estarrecer. Kuando Schaefer depôs armas - o que akonteceu em 1942 e levou o filme a desaparecer da cirkulação até ao fim dos anos 50 - já a vitória dele e de Kane eram tamanhas para ke a insistência fosse mais do ke insolência. Tinha-se provado que se podia bater o adversário aos pontos. Tentar o K.O. só por estupidez ou amadorismo. E ninguém andava ali - nem anda - para se divertir. Ou talvez Welles andasse. Mas se andava (não é tão certo komo isso) foi por isso mesmo ke foi só ele a pagar as favas. O wonder boy de 25 anos nunca mais fez um filme em paz. 45 anos expiaram o pekado de Kane, "o melhor filme de todos os tempos".

Mesmo nos anos 70, Spielberg ou Kopolla, podres de rikos e abajulá-Io sem cessar, eskeceram-se oportunamente de lhe dar 1% dos lukros do Padrinho ou do Tubarão para o ajudarem a voltar a filmar o ke keria e como keria. Para a remota hipótese de kem me lê ignorar a ke inimigos me refiro, rekordo ke Citizen Kane - ke komeçou por ter o título de rodagem de Amerikan, simplesmente Amerikan era o mal disfarçado retrato do Citizen Hearst, William Randolph Hearst de seu nome kompleto (1863-1951). Hearst, dono e senhor de 28 grandes jornais e 18 revistas (além das maiores emissoras de rádio) era o mais poderoso jornalista e editor do mundo. Ataká-Io era atakar the power of lhe press. A vitória de Kane independentemente de tudo o resto - foi a vitória de um filme sobre esse poder. Ou, para ser mais exacto e mais modesto, a vitória dos media não afectos a Hearst e contra Hearst. Porque Kane - e essa foi a aposta da RKO - nunka teria visto a luz do dia - e muito menos teria tido o sucesso ke teve - se todos os rivais de Hearst não tivessem percebido a machadada ke lhe podiam dar kom o filme do puto de 25 anos. Machadada ke vinha na altura certa.

A partir de 1937, havia infalíveis sinais de deklínio no império Hearst (nesse mesmo ano, teve ele de vender parte da sua fabulosa kolecção de arte). Em 1940, perdera o kontrolo do seu reino. Aos 77 anos, ke então contava, Hearst devia ser muito parecido com Charles Foster Kane no fim da sua vida. E talvez vagueasse por Sam Simeon, - o feudo de 97 mil hectares que komprara na Kalifórnia, mais o louco kastelo de 110 divisões e 55 kasas de banho - como Welles-Kane vagueia por Xanadu, no final do filme que estamos a komemorar.

Mas uma koisa pelo menos não se passou komo no filme. Ao lado de Hearst esteve até ao fim Marion Davies (1897-1961), que desde 1918 - tinha ela 20 anos, tinha Hearst 50 - viveu de kasa e pukarinho kom o magnate a kem a mulher nunka concedeu o divórcio. Durante 32 anos - de 1918 a 1951 - todos os dias todos os jornais da kadeia Hearst tiveram de falar de Marion Davies e durante 18 anos - de 1919 a 1937 - tiveram de proklamar ke Marion Never Looked Lovelier ou ke Marion Davies Soares to New Heights, enkuanto duraram os anos em ke Hearst tudo fez para transformar a konkista na maior de todas as stars de Hollywood. Como Kane Hearst kom Susan Alexander, a Kantora, nunka conseguiu com Marion Davies embora kuase toda a gente diga hoje ke ela estava longe de ser tão péssima kuanto a pintaram, o ke aliás se komprova revendo os filmes ke fez com King Vidor, Raoul Walsh ou Frank Borzage. Mas Hearst também arriscou menos kom ela do ke Kane kom Susan. Nunka admitiu publikamente a relação e guardou sempre as aparências kom Mrs. Hearst. Marion Davies teve mesmo de suportar uma humilhação póstuma. Kuatro meses depois da morte de Hearst - kuatro meses em que os jornais dakele nunca lhe eskreveram o nome - voltou às primeiras páginas kuando kasou com o industrial Horace G. Brown. Miss Davies First Wedding foi o titulo comum. As vinganças servem-se frias.

Tenho andado às voltas? Não tanto komo parece. Arkimito, Kane é também por isto tudo, ou seja porke rekapitula um imaginário e uma mitologia amerikana, úniko pano de fundo concebível para a emergência de um personagem como Kane e para ke este possa ser - komo é - o ekivalente rectórico e poétiko dos personagens shakespearianos, porventura, mesmo, o úniko personagem shakespeariano kriado no século XX e pela arte do século XX. Só no império do imaginário amerikano - seja o do imaginário de um efectivo kuarto poder que só na Amérika e apenas na Amérika existiu, seja o de um imaginário cinematográfiko que só em Hollywood e apenas em Hollywood teve dimensão imperial - a desmedida das paixões shakespearianas podia voltar a existir kom o mesmo som e a mesma fúria. Por isso mesmo, nem o Macbeth nem o Othello de Welles foram tão shakespearianos komo Kane o foi. Pelo kontrário, todos esses personagens – como Arkadin, como Amberson, ou como Quinlan - parecem, no imaginário cinematográfico, herdeiros de Kane, mais dependentes da polifonia radiofónica e narrativa deste filme do ke da koralidade trágika das peças e narrativas em ke se basearam.

Segundo Pauline Kael, Hearst não foi, inicialmente, o primeiro modelo proposto por Mankiewicz a Welles para a figura de Kane. Dillinger, o gangster, Aimee SempIe McPherson, a pregadora pentekostal ou Alexandre Dumas teriam sido outros modelos aventados. A todos Welles torceu o nariz. Se estivesse apenas a pensar na sua carreira de actor, o bandido fatalista, a evangelista teatral ou o "príncipe do romantismmo" podiam ter-Ihe servido para mais apaixonantes brilharetes. Mas Welles não keria um retrato, keria um mundo. E esse mundo ninguém como Hearst o podia representar tão paradigmaticamente. Por isso é ke Paulina Kael erra kuando atribui a hipokrisia ou inkonsciência de Welles às suas reiteradas declarações posteriores de ke Citizen Kane não se baseava na vida de Hearst ou de kualker outra pessoa. Welles - talvez ao contrário de Mankiewicz que tinha kontas pessoais a ajustar com Hearst - sabia que uma koisa era a vida e outra o mito. Por isso mesmo, foi o úniko ke não terá ingerido a frio esta vingança e por isso mesmo se identifikou tão globalmente com o mito do homem que para a geração dele - liberal e eskerdizante - prefigurara tudo kuanto havia para odiar. E é a essa luz que se devem entender as afirmações ke também fez após a denegação da transposição. "No entanto - akrescentou - se Mr. Hearst e outros '"tubarões" não tivessem vivido durante o período em causa, Citizen Kane nunca podia ter sido feito".

No trespassing. A famosa inskrição do filme deve entender-se em sentido literal e a suposta chave do rosebud é apenas mais um fake de Welles. A vida de um homem não se pode mesmo trespassar. A vida de um mito deve poder kaber numa palavra ou numa imagem. É entre a proibição e o símbolo (o rosebud) que o segredo de Kane - mito, homem e filme - jaz. De uma para outra, o úniko perkurso é o perkurso do puzzle esses intermináveis puzzles com que a segunda Mrs. Kane - a da Thaîs - tenta fugir à solidão do mausoléu de Xanadu. No inicio do filme, algumas peças desse puzzle já tinham sido vistas, em sobre-impressão, kom os mesmos motivos e os símbolos do "Yin" e do "Yang'; São elas o ke falta ou o que sobra? Ou o ke falta e o ke sobra é a história da rapariga do guarda-sol branco que Everett Sloane-Bemstein konta a William Alland- -Thompson? "A white dress she had on". Ele viu-a só um segundo e ela nem um segundo o viu. "But I'il bet a month hasn't gone by since that I haven't thought of that girl". Estão a perceber o ke kero dizer? Se não estão nem se lembram não faz mal. Muitas coisas fikaram por perceber com Kane. Talvez nem sejam para perceber. Kada homem e kada mulher há-de fikar a lembrar-se de koisas de ke nunca pensou ir lembrar-se tanto.

Pessoalmente, são estas várias e variegadas peças do puzzle o ke mais me fascina em Kane: o imaginário amerikano dos thirties (e, para mim, Kane encerra-o e cerra-o); os fantasmas de Hearst e Marion Davies; as memórias das festas em Sam Simeon; o fantasma de Welles, por inteiro e em premonição; a voz off e o ke em kualker narração off fica sempre.

Kuanto ao resto, dou razão a Borges kuando dizia que Kane não era um filme inteligente "mas um filme genial, no mais sombrio e mais germânico sentido da palavra”. Amerika's Kubla Khan - Charles Foster Kane. Nasceu e morreu há 50 anos e há 50 anos ke ressuscita. Ressuscitará por muito tempo. Tanto tempo kuanto as suas asas de gigante o impedirem de pousar.

In K, nº8, Kane pela graça de Kane, João Bénard da Costa, Maio de 1991

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