Sexo e Sentimento



Masturba-se desde os onze anos? Tem uma "ligação" com a sua melhor amiga? Desconfia que a sua paixão tem Sida? A K responde. Escreva para Sexo e Sentimento - e espere que Vasco Pulido Valente o/a acorde...


Sr. Dr.: Aos 11 anos ganhei o hábito - que para certas pessoas é um vicio - de me masturbar. Sempre achei que era uma maneira não só de me satisfazer mas também de me manter activo sexualmente Penso que nunca perturbou a minha vida afectiva. Desde os 16 anos que, antes dum encontro com uma rapariga, eu me masturbo religiosamente. Para mim, é uma maneira de me preparar para o encontro. Assim, elimino qualquer urgência fisiológica e controlo a ansiedade que provoca todo o encontro que promete um desenlace feliz. Contudo, vou casar-me e tenho algumas dúvidas. Obviamente não necessitarei mais de me preparar, como antes. A minha pergunta é: Acha que poderei prescindir dum hábito que me acompanha há já 14 anos? Obrigado.
R. de Odivelas.

1. Sei lá "se poderá prescindir de um hábito que o acompanha há 14 anos"! Custa-lhe muito? Deixou de fumar? Que tal é a venturosa menina? Faltam-me factos. Existe aliás, uma diferença entre poder e dever; e uma segunda diferença entre dever e precisar. Quanto ao dever, se for membro de qualquer seita religiosa, consulte as autoridades. Por mim, não me oponho. Quanto a precisar, não precisa: a masturbação é cómoda, gratuita e relativamente rápida. Praticada em recato, não maça ninguém.
A ideia da masturbação como preparativo erótico tem os seus méritos e de facto, o casamento, tendendo a "eliminar a urgência", não promete com certeza um "desenlace feliz". Aliviado da "urgência" e da antecipação de felicidades, nada o impede de parar. Excepto, bem entendido, a falta de urgência e a antecipação de infelicidades. Torne a escrever daqui a seis meses.

Estou apaixonado por uma rapariga. Ela é a mulher da minha vida. Eu sei. O meu problema é que a vida que ela levou antes de me conhecer tem muito que se lhe diga (não, ela não era puta, se é isso que os srs. pensam. Em todo o caso, não o era duma maneira profissional). Simplesmente ela foi sempre livre, gosta de sexo e nunca diz que não. Agora é diferente Ela ama-me e eu estou seguro disso. O meu medo é que ela tenha Sida. Mas não tenho coragem de lhe pedir que faça um teste. Como a posso levar a fazer o teste sem a ferir?
L.F.C., Saldanha

2. Proponha-lhe fazerem o teste os dois.

Cara revista K: Moro em Almada e considero-me uma rapariga normal. Tenho vinte e quatro anos e sou casada, desde os vinte e um, com um rapaz trabalhador e muito meu amigo. (...) A única sombra que existe no nosso casamento vem de uma ligação que eu mantenho desde os doze anos com uma amiga de infância. Tudo começou por "brincadeiras" que fazíamos com inocência, mas enquanto que eu comecei a relacionar-me normalmente com rapazes e acabei por me casar, ela teve um ou dois namoros mas parecia sempre mais interessada em mim do que nos namorados. Nunca consegui acabar com esta ligação, que para mim é não só amizade mas também um prazer físico diferente daquele que tenho com o meu marido. E não consigo passar sem as carícias dela.
(...) Há dois meses contei tudo ao meu marido. Primeiro, ficou furioso, mas depois quis que eu trouxesse a minha amiga lá a casa para fazermos amor os três. Consegui convencê-la, mas quando tentámos ela não queria que ele lhe tocasse, só me queria a mim. Ele quis entrar nela à força e acabámos todos zangados. Agora não sei o que hei-de fazer, porque não quero perdê-lo a ele, mas também gosto muito dela. Passei a vê-la às escondidas do meu marido.
Carla Santos (pseudónimo)

3. Convença o seu marido a experimentar a persuasão. Explique ao seu marido os prazeres da contemplação. Demonstre ao seu marido as possibilidades da combinação. Se tudo isto falhar, mude de namorada ou de marido. Ou continue a ver a namorada às escondidas do marido. Só mais um comentário: não percebo a relevância, para o seu problema, do facto, admissivelmente desolador, de morar em Almada.

(...) Desde os dez anos que me masturbo acariciando-me e ocasionalmente atingia o orgasmo. Quando me casei, descobri que o meu marido não me podia dar orgasmos pela penetração e continuei a masturbar-me Agora sou divorciada. Uma amiga ensinou-me a usar um massajador eléctrico, com o qual consigo orgasmos violentos sempre que quero, mas quando me acaricio com a mão já não consigo excitar-me como antes.
Diga-me: fiz mal em usar o massajador? Prejudiquei ou posso prejudicar a minha saúde? Gosto tanto dele que o uso cada vez mais e não queria deixar de o fazer.
Anónima de Lisboa

4. Da mão ao massajador eléctrico, o progresso tecnológico é óbvio. Pelo caminho, ficou o massajador tradicional, com um homem à volta, difícil de limpar, de guardar e de pôr a trabalhar como e quando se quer. Além disso, o massajador eléctrico fica praticamente de graça e a manutenção do homem está cada vez mais cara, já sem falar nos sarilhos, nas preocupações, no tempo perdido e no desgaste do material.
Quanto à saúde vá ao médico. De resto, os meus parabéns. Só tenho pena que a ciência ainda não me permita a mim jantar beatamente no Gambrinus, com um "orgasmo violento" na carteira (ou no armário do quarto). Deve ser uma sensação inefável.

Cara revista Kapa, tenho um grave problema e não sei como o resolver. Nos últimos tempos, apaixonei-me por um homem que não consigo satisfazer. Por mais que o acaricie ele não tem erecção. Já tentei todos os métodos que um antigo número da revista Maria descreve, mas ele fica sempre na mesma, murcho e triste e eu também, porque assim não consigo gozar. Da última vez que tentei, meti-lhe o dedo no cu como me tinham dito e, em vez de se excitar, ele bateu-me com toda a força e gritou: "Julgas que eu sou paneleiro ou quê?"
Por favor, expliquem-me como fazer para conquistar o membro do meu homem!

5. Alguns conselhos parecem oportunos. Olhe bem para si, com muita atenção e em muito pormenor. Não esqueça nada. Se isso não der resultado, reveja urgentemente a bibliografia. Se nem com a nova bibliografia a coisa for, esqueça "o membro do seu homem" e dê provas de imaginação. Se não tiver imaginação, troque de homem
E, por favor, daqui em diante, não se introduza em parte nenhuma, sem sinais evidentes de que a querem lá.

Quando decidi escrever esta carta, percebi logo que não valia a pena enviá-la a quem quer que fosse. Tem valor por ter sido escrita e pronto. É só esse o seu valor. Fala da mentira. Vivo há seis anos com um homem de quem gosto muito. Quando um dia destes lhe menti, pensei em todas as outras vezes anteriores em que lhe tinha também mentido. Fiquei obviamente escandalizada mas sem conseguir explicar exactamente porquê. Parto sempre do princípio de que não se deve nunca mentir. As minhas mentiras não são mentiras terríveis. Desde coisas muito triviais até encontros que mantive com outros homens, sobre tudo isso eu descobri que podia mentir. E, escandalosamente, percebi que tal mentira pode ser muito mais benéfica do que maléfica, inclusivamente para a própria relação que quero absolutamente manter com o meu marido. É com ele que eu quero viver e é comigo que eu desejo que ele queira viver. Sempre pensei que quando mentimos secretamente a alguém acabamos, mais tarde ou mais cedo, por desconsiderar publicamente essa pessoa. Mas já não posso pensar assim. Não deixei nunca de sentir pelo meu marido a consideração que sempre senti. Pensei que a mentira era a desgraça da nossa vida; afinal, penso agora que pode ser uma maneira genuína de viver. Percebem agora porque vale tão pouco esta carta. Não vos escrevo a pedir conselhos, mas confiante apenas na vossa curiosidade e, se posso exigir tal coisa, na vossa honestidade. É pois por isso que vos envio esta carta.
M.H.M.

6. Esta sua carta devia ser distribuída a toda a população casada. Os casamentos acabam sempre quando se diz a verdade ou, pelo menos, "as verdades". Dizer a "verdade", ou as "verdades", a outra pessoa é o exercício mais cruel que jamais se inventou, com a possível excepção da tortura da pinça. Para muito boa teologia, o inferno é a verdade. A expressão conjugal "isto é um inferno" confirma a teologia e proclama que os esposos já não se amam o suficiente para se mentirem. Na mentira está a virtude suprema e salvífica da misericórdia.
Continue a mentir, minha querida amiga. E, sobretudo, nunca se esqueça que ele sendo um bom marido, também lhe mente a si.

in Revista K, nº8, Sexo e Sentimento, Vasco Pulido Valente, Maio de 1991

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