Enfim, sogras...


As SOGRAS serão mesmo umas chatas inevitáveis, ou apenas vítimas de um dos maiores e mais injustos preconceitos da história da Humanidade? Devem os homens continuar a odiar estas criaturas só porque são mães das suas mulheres? E porque existe o costume ancestral de considerar a sogra uma indesejável? Não se pode gostar de uma sogra como de qualquer outra filha de Deus?

O problema começa na Fonética. À partida, não se pode esperar nada de bom de quem é designado por um termo como «sogra». Há poucos com um som tão desagradável, tão áspero e grosseiro, tão impróprio para designar uma senhora. Quando se diz «sogra» é quase como se estivesse já a insultar a pessoa, tão agreste é a pronúncia da palavra. Também a semântica não lhes foi favorável, às pobres senhoras. Uma «sogra» parece um gore feminino com um «se» no princípio, como um prefixo condicional, como se as «se-ogras» tivessem, quando muito, o benefício da dúvida de não serem uns tremendos gores.

A imagem gráfica das que, no fundo, são nossas segundas mães, também anda pelas ruas da amargura. O problema aqui reside em ter sido criada ao longo de algumas décadas de anedotas ilustradas, desde os tempos do Cara Alegre e que persistem na Gaiola Aberta. As anedotas não deixam à sogra outra hipótese senão a de ser uma matrona de peitaça avantajada e facies permanentemente irado, sempre pronta a explodir em fúrias para proteger a filhinha do patife do marido.

Como mais ou menos toda a gente hoje em dia, penso que é talvez com um melhor conhecimento do outro (neste caso das outras) que se consegue acabar com estas quezílias funestas que envenenam a existência de metade da humanidade. A minha experiência de sogras já é alguma e talvez um esboço de quadro tipológico permita aos genros descobrir qual o seu tipo de sogra e a melhor maneira de viver com ela e com a filha.

A sogra-mãe. É uma sogra com preocupações igualitárias, de um ponto de vista familiar, que se esforça sinceramente por tratar o genro como se fosse um filho. Os únicos casos graves são os de algumas que não tiveram crianças do sexo masculino, e vêem no genro o descendente varão que a Providência lhes negou. A única hipótese é cumprir o papel que é esperado com a calma possível, que tem de ser muita, mesmo tendo em conta que as intenções da neomãe são sempre as melhores. A sogra-mãe requer bastante atenção da parte do genro e é deveras possessiva. Não raro é preciso, a este, fingir que deixou de ter qualquer ligação com a família genética, e que a aceitou como mãe adoptiva. A interiorização continuada desta atitude leva os maridos a tratar as mulheres como irmãs, com as consequências que se prevêem.

A sogra boazinha. Cuidado com ela, porque ou é mesmo boazinha ou é uma grande sonsa, e se faz de tansa a ver se apanha o incauto a fazer das dele. Repare-se que o que caracteriza a sogra boazinha não é uma atitude afirmativa de bondade, mas antes o não intrometimento. Sogra que não se intromete ou é mesmo boa pessoa - o que é mais frequente do que se pensa - ou então apenas visa a eliminação do genro enquanto tal. Nestes últimos casos, raros mas de extrema perfídia, nada há, aliás, a fazer. Quando der por isso, o genro tem a vida feita num oito, as amantes descobertas, a liberdade cerceada, a careca à mostra, o divórcio à vista. A sogra discretamente afável, tão suave que não se dava por ela, era mais eficiente do que uma brigada de veteranos da Judite.

A sogra boazona. Este tipo de problema só atinge genros que se casam com mulheres muito mais novas. Não é raro as mães serem muito mais interessantes do que as filhas, serem mais cultas e melhores conversadoras, não darem erros de ortografia, etc. Quando a estes dotes de sogra se juntam os de uma maternidade precoce, e uma boa conjuntura física subsiste a par com alguma desvergonha, o genro pode vir a ser tentado como aquele santo cujo nome agora não ocorre. Mas cuidado que, muitas vezes, passa-se tudo na cabeça desregrada e incontinente dos homens. Um passo em falso pode ser uma catástrofe e uma vergonha sem nome.

A sogra queque. É um tipo de sogra que não traz problemas de maior, desde que se consiga tratá-Ia por «tia». Aliás, a designação por tia é a melhor para qualquer sogra, não porque seja isenta de ridículo, mas simplesmente porque é menos ridícula do que a de «mãe» (quando se sabe que só há uma), e mais delicada do que um áspero «olhe». Também se tem de aceitar ser chamado de «o menino». A sogra queque, como todas as mulheres do seu grupo sociológico, tem no entanto um problema grave que radica no esforço que faz para, a partir dos 50 anos, não ter idade. Mas cuidado. Não se trata de parecer mais nova, mas de não ter idade de qualquer espécie, mental, cronológica, nas pernas, no cabeleireiro, em lado nenhum. As tias a partir de certa altura têm o bom senso de não serem gaiteiras, mas querem sair do tempo, como os monumentos. Mirram, secam, e estabilizam numa espécie de 4ª dimensão a que só as classes superiores têm acesso.

Quem tiver uma sogra queque nunca poderá tratá-Ia como uma velhinha (como se deve fazer com sogras camponesas), nem como uma velhota (como se deve fazer com uma sogra oriunda do proletariado), muito menos como uma sogra-sogra (como as genuínas e boas sogras pequeno-burguesas). Tem de ter um tacto infinito para não dar a entender que sabe que a senhora tem uma idade, o que é mais ou menos tão difícil como falar com uma santa, pelas mesmas razões.

A sogra de esquerda. Esta é uma chatice e não por causa das desventuras que agora afectam este simpático quadrante ideológico, mas antes porque as mulheres de esquerda sempre foram muito chatas, com muito poucas honrosas excepções. A sogra de esquerda, regra geral, esforça-se por ser a não-sogra, mas não deixa de seringar o juízo à filhota para não se deixar levar pelo macho, para se libertar dos trabalhos domésticos obrigando-o a partilhá-los. Se encontra eco - o que é raro, porque as filhas das mulheres de esquerda raramente o são - a vida do genro está feita num Goulag.

In K, nº18, Enfim, sogras, António Campos, Março de 1992

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